domingo, 4 de agosto de 2013

CASU 8 - Primavera de 2013

por Rui Florentino


A AUP foi convidada a organizar uma sessão paralela na 3ª conferência da Rede Portuguesa de Morfologia Urbana (PNUM em inglês), que entendemos subordinar ao tema das "Formas Urbanas das Periferias das Cidades".
Neste oitavo número dos CASU publica-se assim uma primeira edição especial, com os resumos desta sessão, que se realizou em Coimbra, no final de Junho. Apresentam-se os textos dos 4 oradores que convidámos, sobre as formas urbanas nas periferias de Lisboa, Porto, Rio de Janeiro, Maputo e Luanda. Desta última é o resumo que se segue, elaborado pelo editor destes Cadernos. Foi uma sessão animada, caracterizada pela riqueza das abordagens metodológicas, na leitura dos diferentes casos, sem necessidade de se concluir sobre um denominador comum. Fica um agradecimento à excelente organização do PNUM 2013, personalizada pelo Nuno Norte Pinto, o melhor anfitrião de reuniões científicas que conhecemos.

O processo de industrialização e a consequente mudança dos estilos de vida ao longo do séc. XX conduziram a uma expansão generalizada das grandes cidades, que se materializou na urbanização das suas periferias, através de diferentes formas, que importa sistematizar, para melhor podermos intervir sobre elas. Enquanto capital de Angola, Luanda tem actualmente cerca de 6 milhões de habitantes e conhece uma fase de grande desenvolvimento, após os períodos de guerra colonial e guerra civil, alcançando uma superfície de mais de 350 km2, 7 vezes superior à de 1980.
Neste processo de crescimento, a par da reorganização administrativa e da evolução social e económica, distinguem-se desde logo três formas urbanas bem diferenciadas, que por certo se desagregam em outras tantas variantes. A primeira é a pré-urbanização incipiente, chamada de “musseque”, que se alastra em mancha de óleo e ocupa uma parte significativa da cidade. Estes conjuntos têm sido objecto de diversos estudos, hoje segundo metodologias mais participadas (Moreira, 2012), mas em qualquer caso procura-se sempre reconfigurá-los, dotando-os de infra-estruturas necessárias para a qualidade urbana dos seus habitantes.
Uma segunda forma urbana, presente também no processo de expansão de Luanda, é a aplicação regional das ideias de cidade modernista, que separa as funções, com maior ou menor sensibilidade territorial. Esta “tipologia” surge por exemplo na promoção pública de habitação social, no bairro Vida Nova (nome elucidativo) ou na ainda urbanização “fantasma” do Kilamba, subjacente a acordos globais. Embora possa dispor de peças arquitectónicas interessantes, as soluções urbanísticas são na maior parte dos casos pobres, a exemplo das conhecidas na Europa.
A terceira e mais recente forma urbana caracteriza-se pelo aparecimento de “condomínios fechados”, na zona Sul de Luanda, e decorre da emergência de uma classe social com elevado poder económico. Mas como se sabe esta solução urbanística não garante, de igual modo, a plena integração dos seus habitantes com a restante comunidade.
Estes diferentes tipos de formas urbanas podem encontrar-se nesta e noutras cidades, sendo útil aprofundar o estudo das suas morfologias, para melhor preparar, em termos técnicos, os projectos de reabilitação destas periferias.

Na presente comunicação apresentam-se parâmetros quantitativos relativos a estas três formas urbanas em Luanda.


8.1 - Maputo: mapeando contrastes morfológicos

por David Leite Viana *


Após a independência da capital moçambicana da administração colonial portuguesa, em 1975, a nova autoridade municipal definiu como uma das medidas estruturantes para Maputo (perspetivando uma ampla inclusão de população residente que permanecia excluída de dinâmicas urbanas de “desenvolvimento” e melhoria das condições de vida) a ampliação dos limites administrativos do espaço urbano, consubstanciando uma alargada estrutura urbana e periurbana que passou a incluir sectores suburbanos e de periferia no âmbito da organização citadina. Deste modo, a forma urbana daquela capital viu serem reconfigurados os seus contornos a partir de um processo muito rápido, que teve implicações determinantes ao nível da sua transformação e princípios de atuação previstos nas diversas estratégias constantes nas propostas de planos-estrutura elaborados nas décadas de 1980 e 1990.
O contexto genérico da comunicação prossegue do enquadramento referido, considerando problemáticas relativas à forma urbana de Maputo, entendida na sua extensão e tendo em linha de conta a consolidação acelerada de áreas edificadas cada vez mais afastadas do dito “centro”, comumente associado à designada «cidade de cimento». Constituem faixas periurbanas na qual coexistem grelhas residenciais com a habitação autoconstruída e auto-organizada. A quase monofuncionalidade da “periferia” de Maputo é acompanhada pela fragilidade infraestrutural dessa parte do espaço urbano, onde também se verificam outros deficits, no que se refere à oferta de equipamentos, transportes públicos e serviços urbanos, por exemplo. Não obstante, e pese embora o reconhecimento destes (e de outros) níveis de precaridade, a diversidade de configurações morfológicas justifica que se analise, sem preconceitos, a forma urbana na periferia daquela cidade.
Neste sentido, a comunicação versará a caracterização e descrição dos principais constituintes morfológicos que caracterizam as faixas periféricas da capital moçambicana, nomeadamente no que concerne aos sistemas e redes, aos tipos edificatórios, aos usos e tecidos. Para o efeito, apresentar-se-á um conjunto de mapeamentos respeitantes a distritos e bairros de Maputo que traduzirão contrastes entre o que tem “forma” e o que aparentemente carece dela, entre geometrias “lineares” e outras mais complexas, entre a pluralidade de conformações de malhas e eixos, de “texturas” e “granulometrias”, em que se perceberá como os distintos “fragmentos” se agregam (ou não) num intrincado “mosaico” que transcende noções dialéticas que ainda se possam estabelecer sobre a capital de Moçambique.
O propósito da comunicação será estabelecer, de forma sistemática, uma correlação entre categorias de formas que marcam a extensão do espaço urbano de Maputo, contribuindo para o aprofundamento do conhecimento sobre aquela capital e respetivo quadro morfológico. Pretende-se direcionar o resultado da apresentação no sentido da prossecução de perspetivas panorâmicas e abrangentes, capazes de integrar e articular o que se apresenta como contraditório e pouco conciliável, desmontando clivagens e hiatos ao nível da perceção que se pode alcançar sobre a forma urbana da “periferia” da cidade-capital moçambicana.
Para se objetivar o acima referido, os conteúdos elaborados para a sessão temática sobre “formas urbanas nas periferias das cidades” foram estruturados recorrendo à análise comparativa entre as diversas partes que compõem Maputo – tendo como base a cartografia da cidade (facultada em 2005 pelo Prof. Luís Lage, atual Diretor do Curso de Arquitetura e Planeamento Físico da Universidade Eduardo Mondlane). Através do redesenho desta planta geral da capital moçambicana, foram selecionados aspetos e elementos relevantes para explicar a morfologia da “periferia” de Maputo, focando hierarquias entre infraestruturas, conexões entre bairros, categorias de malhas, traçados de ruas, praças e largos, nós entre eixos viários, “filamentos” e “porosidades”, densidades, entre outros. Os mapeamentos a apresentar serão complementados por fotografias resultantes de “trabalho de campo” realizado em Maputo (2005 e 2012), procedendo-se a registos gráficos, a levantamento fotográfico, de documentos históricos, consulta de informação em arquivos, entrevistas exploratórias e desenho à vista de diversos sectores daquela capital. O tratamento de dados consequente possibilitou sistematizar um conjunto de referências que foram sintetizadas e interpretadas de modo a permitirem “ler” criticamente a cidade a partir dos seus contrastes.
Por isso mesmo, a pertinência da problemática aprofundada refere-se ao contributo dado para o estado da arte, no qual consolidam-se autores e obras que convalidam renovados olhares sobre contextos urbanos que partilham características como as de Maputo, configurando orientações alternativas para o urbanismo – “Everyday urbanism”, “Opportunistic urbanism”, “Informal urbanism”, “Tactical urbanism”, “Sensorial urbanismo”, “Chameleonic urbanism”. Estas e outras aproximações a processos de urbanismo mais inclusivos e efetivamente participados, com papel ativo das populações, reclamam que se reconsidere o modo como se encaram as designadas «periferias», implicando a necessidade de atualização e reconfiguração de modelos de atuação sobre a cidade.


* Professor da Escola Superior Gallaecia e Investigador do CITTA, Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto

8.2 - O Bairro de Santa Teresa no Rio de Janeiro - morfologia de matriz portuguesa no traçado em colina

por Fernanda Magalhães *


A ordem e lógica da cidade portuguesa, construída nas colinas, em terrenos de orografia difícil, à procura de condições de defesa mas também de funcionalidade, caracterizam um tipo de ocupação que está presente no padrão da urbanística colonial brasileira, sobretudo em suas cidades-capitais, que se constituem numa representação direta da Metrópole no país. Os casos de Santa Teresa  e Ouro Preto, de origem lusitana menos formalizada, e também de implantação mais tardia, mantêm essa tradição portuguesa de traçados em encosta.
A cidade do Rio de Janeiro, marcada desde sua origem por este modelo, não conseguiu, todavia, preservar a memória das primeiras implantações, como o Morro do Castelo, demolido pelas reformas urbanas do início do século XX.  O Morro de Santa Teresa e sua estrutura de ocupação consolidada ao longo do século XIX, torna-se assim, patrimônio e importante referência para o estudo de um padrão de cidade de colina para o Rio de Janeiro, sobretudo por ainda abrigar diversas particularidades como bairro residencial, com seus modos de vida específicos e como testemunho vivo e contemporâneo de uma cultura urbanística peculiar de gênese lusitana.
Santa Teresa, sobre a influência direta de muitos loteadores e proprietários das chácaras locais de origem portuguesa – como a própria toponímia revela –, que apresenta uma ocupação que serpenteia o morro com ruas muitas vezes dispostas na diagonal das curvas de nível, inúmeras visuais e frestas urbanas, o casario em forma de presépio e as ladeiras que confluem para formar os seus vários largos, denúncia de forma cabal a tradição da urbanística luso-brasileira que configura aquilo que denominamos “urbanismo de colina”.
O estudo da estrutura urbana e malha irregulares de Santa Teresa, por meio da leitura configuracional morfológica de seus espaços, permitiu destacar aquilo que lhe é peculiar e que deve ser salvaguardado como valor material e imaterial de nossa cultura, de forma a minimizar os riscos de intervenções que venham a comprometer esses mesmos valores históricos e patrimoniais.


* Directora dos cursos de Urbanismo da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias

sábado, 3 de agosto de 2013

8.3 - Entre a norma e a inovação: uma narrativa das formas da suburbanização na periferia de Lisboa

por Cristina Soares Cavaco *


Tomando como base a investigação desenvolvida no âmbito do trabalho de doutoramento, o presente artigo pretende apresentar uma nova narrativa para as formas da suburbanização na Área Metropolitana de Lisboa. Ao contrário daquele que tem sido o entendimento veiculado nas últimas décadas de que as periferias são territórios de caos e desordem, sem desenho nem regra, a presente narrativa pretende introduzir uma leitura dos territórios suburbanos que os configura num diálogo assíduo e incessante entre a regra e o modelo, numa oscilação ambivalente entre a norma e a inovação. Por um lado as formas da suburbanização veiculam a uniformização das regras e dos padrões; por outro lado configuram uma formulação experimental do espaço edificado da modernidade.
Com efeito, foi com a construção da periferia que, nos últimos 60 anos, se testaram e aferiram políticas públicas, se acolheram e conformaram leis e princípios reguladores, e se assistiu, concomitantemente, ao próprio esvaziamento das normas, à sua transgressão e violação. Foi também com a construção da periferia que, nos últimos 60 anos, se puseram em prática modelos de espaço e de uso para a cidade moderna, se exploraram e transfiguraram os argumentos e os padrões urbanísticos da modernidade e que, no contexto da cidade extensiva, novas formas e padrões foram progressivamente surgindo como novos cambiantes ao espaço da modernidade.
Nesta perspetiva a tese que se pretende defender é a de que as periferias e as formas da suburbanização, particularmente na região de Lisboa, edificam a história do espaço urbano da modernidade, nas suas diferentes etapas e formulações.
Nesta ótica, e assente numa aproximação tipológica às formas da suburbanização, esta narrativa vem distinguir diferentes momentos e categorias no processo de urbanização da Área Metropolitana de Lisboa – as formas típicas da suburbanização na AML: Pegadas de arranque da suburbanização; Fragmentos poligonais de expansão; Intervalos eruditos de exceção; Arranjos de pormenor esporádicos; Operações urbanísticas de grande escala. Com base na análise de alguns casos de estudo que se centraram nos concelhos de Almada e Odivelas, esta narrativa das formas da suburbanização na periferia de Lisboa acaba por traçar uma viagem que oscila entra as formas e os argumentos do projeto e urbanismo modernos, a história do Direito do Urbanismo em Portugal, a sua normalização e as práticas de gestão urbanística, e a concretização da cidade e do espaço edificado no decorrer do período urbano expansionista.

* Professora da Faculdade de Arquitectura da Universidade de Lisboa. Sub-Directora Geral do Território.

8.4 - A explosão das formas urbanas na região do Porto

por António Ramalho *


As cidades encontram-se em permanente transformação, gerando, por sobreposição e adição, novas “formas urbanas”. Por vezes, tais formas induzem novos “modos de vida”.
No urbano em transformação as novas “formas urbanas” e os “modos de vida” agregados, em territórios de maior concentração populacional, têm vindo a realçar uma alegada cidade “ageográfica”, isto é, um tipo de cidade completamente nova, sem um “lugar” associado a ela, onde o acontecimento mais importante é o corte, a descontinuidade, a fragmentação.
Para isso têm contribuído as intervenções de requalificação nas áreas centrais / tradicionais desprendidas e excessivamente centradas na arquitectura dos “espaços públicos”, bem como o processo de urbanização das áreas de expansão periféricas em que a lógica é de sonegação daqueles espaços. Daí têm resultado preocupantes rupturas tipo-morfológicas e vivenciais.
É hoje indispensável uma abordagem disciplinar consubstanciada na ideia que “se o planeamento urbano e o urbanismo devem ser capazes de se adaptar a um contexto incerto e em mudança, a cidade construída deve também ela própria ser flexível, reutilizável, transformável” (Ascher, 1998). Acontece, porém, que essa abordagem disciplinar vem questionar o modelo “uma cidade – um centro”, verificando-se antes uma explosão das centralidades que nos obriga a passar da escala da “cidade-ponto” para a da “urbano-superfície”.
O urbanismo da “urbano-superfície”, como prática orientadora da expansão da “cidade conceptual” (entendida como a aceitação de um modelo formal tipo), é alicerçado na dicotomia “cidade contínua” / “cidade fragmentada”, ou em alternativa, na pródiga “cidade sem modelo”.
Já a urbanidade da “urbano-superficie”, no ensejo de readaptar a “cidade vivida”, é ponderada à luz dos novos “modos de vida”, suportados nos tempos e distâncias de deslocação, nos espaços da hipermobilidade e nos “espaços públicos”, que o poderão não ser (literalmente públicos), sem que tal reconhecimento constitua impedimento ao seu efectivo uso.
Esta nova cidade da contemporaneidade, no plano das políticas urbanas estratégicas, concretiza uma visão integradora e transversal (às “velhas” e às “novas” territorialidades), direccionando a competitividade para níveis supra-locais. Por outro lado, no plano das concepções urbanísticas reinterpreta a dicotomia “cidade contínua” / “cidade fragmentada”, derivando-a para outras considerações, como por exemplo, a “cidade das formas contínuas e das vivências fragmentadas” ou a “cidade das formas fragmentadas e das vivências contínuas”.
A contemporaneidade produz um mosaico urbano onde coexistem a dispersão e a aglomeração, usos variados e especializados, mobilidades polares (em direcção aos “centros”) e mobilidades tangenciais (em direcção a aglomerações mais recentes das “periferias”).
As novas territorialidades geradas constituem elementos fortes na estruturação das "urbano-superfícies", funcionando como indutoras de pontos ou eixos de atracção e aglomeração de funções e de emprego, produtoras de novas e diversificadas polarizações, organizadoras de novas lógicas de mobilidade e sistemas de relações, ora fragmentando, ora fomentando a coesão funcional.
São estas, genericamente, as grandes questões disciplinares hoje suscitadas pelas regiões urbanas emergentes, como a do Porto, que aqui nos servirá de estudo de caso.
A região urbana do Porto, que se tem vindo a formar por entre conurbações sucessivas há 40 anos a esta parte, compreende um amplo território urbanizado, evidenciando um sistema de povoamento disperso, não homogéneo, com concentrações / polarizações diferenciadas. Neste amplo território, que chega a atingir 120 km de norte a sul e 50 km de este a oeste, vivem cerca de 3 milhões de indivíduos, cujas “formas e os modos” de vida fruem por entre as “formas e os modos” das urbes.

* Licenciado em Planeamento Regional e Urbano. Membro do Conselho Directivo da AUP. Técnico Superior da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim


quarta-feira, 19 de junho de 2013

CASU 7 - Inverno de 2013


A poucas horas do Verão oficial, completa-se a edição 7 dos CASU, com mais 4 nano-artigos (ou resumos, dito doutra forma). É a primeira do ano, portanto a de Inverno. Sim, porque este ano ainda não chegou a Primavera, já bem entrados em Junho. Assim que resolvemos manter a sequência e em breve poderá ler aqui mais 8 textos, no conjunto dos números 8 e 9, antes de Setembro e de voltar o Outono.
Neste Inverno de 2013, ficámos sem a presença física do fundador da Associação dos Urbanistas Portugueses. No dia 20 escrevi estas palavras, para o "livro dos afectos" que lhe seria entregue, com textos dos seus colegas e amigos.
"O Professor Costa Lobo marcou a minha vida, renovando o gosto pelo urbanismo e levando-me a aprofundar conhecimentos na área do planeamento. Nunca me esquecerei da sua facilidade para comunicar e cativar a atenção das pessoas, ajudando-nos a pensar. Num final de tarde, quando ainda mal nos conhecíamos, perguntou-me se não queria ir às Jornadas da Associação dos Urbanistas em Lagos. "Ponha um pijama no saco e apareça aqui no Técnico" - disse, com a maior naturalidade. Mais de uma década depois, concluiu um dia da conferência "Arquitectura e Qualificação da Cidade", na Universidade Católica, com os seus memoráveis desenhos que comunicam ideias, e logo as jovens alunas do 1º ano, entusiasmadas, perguntaram se iriam ter aquele Professor no curso. Hoje faço também parte da sua AUP e voltei a encontrá-lo no Congresso Ibérico da Covilhã, entre os seus amigos Duarte Castelbranco e Pedro Guimarães." *
Bem haja Professor Costa Lobo, estará por muito mais tempo entre nós.
Neste 7º número dos CASU's apresento 3 resumos de comunicações nas últimas Jornadas da AUP, as décimas quartas, que em boa hora os colegas Sidónio Pardal e Luís Pedro Cerqueira decidiram organizar, às quais juntei algumas linhas das conclusões da dissertação do Fernando Jesus, que tive o gosto de orientar.

 
* Esta foto foi-me gentilmente cedida pelo colega António Castelbranco.

7.1 - Arquitectura Popular nos Povoados do Alentejo *

por José Baganha **

Neste ensaio aprofundam-se os conhecimentos sobre a matéria de estudo, na senda de uma melhor, mais completa e fundamentada compreensão da singularidade tipológica das construções ditas «populares», nos seus vários aspetos e nas suas várias expressões de local para local, com diversidades por vezes muito subtis mas também muito interessantes, e ainda, da relação ou interdependência do espaço construído (privado) e do espaço livre (público) – dependência recíproca ou relação indissociável, que forma um todo coerente e singular.
Considerando que a ocupação urbana do território compreende, em termos formais, dois elementos fundamentais: a estrutura edificada e os espaços livres (exteriores), formados pelas áreas de circulação e estadia - ruas, praças e largos – e restantes espaços não construídos públicos ou privados, teremos que o carácter, a identidade, de um determinado povoado resulta da distribuição relativa dos diversos espaços, bem como da sua articulação e da arquitectura dos seus edifícios. O objetivo aqui contido, neste estudo, é o de usar toda esta singularidade cultural, este manancial riquíssimo, nas intervenções que hoje fazemos nessas aldeias, nos montes, nas vilas, nas cidades, a nível urbanístico ou arquitetónico, com uma abordagem culta, nova, sem preconceitos ideológicos mas profundamente ecológica.
É hoje, aliás, universalmente aceite que a Cidade (no sentido mais lato do termo) constitui o tema número um no que diz respeito à sustentabilidade ambiental; A cidade é a base dos três pilares do desenvolvimento sustentável – o físico, o ambiental e o económico. Há portanto que estudar a sua forma, a sua estrutura, de região para região, atendendo aos aspetos particulares. E isso passa, não há dúvida, também, por uma Cidade mais humanizada, por intervenções mais sustentáveis no domínio do urbano, da arquitetura e da construção, procurando aquelas soluções, por vezes tão simples, tão empíricas, que sempre estiveram ao nosso alcance, que parece pertencerem a um determinado lugar e a nenhum outro, como que «brotando da terra», concentrando o engenho do Homem, a evolução, a invenção, no respeito pelo arquétipo, assumindo “a identidade do lugar como condição para a identidade do Homem” (Irene Ribeiro, 1993).
Perante um cenário mais ou menos previsível e bastante provável de descaracterização e desqualificação ambiental, que os fenómenos da globalização e do turismo de massas poderão vir a gerar nesta região, como noutras do Sul da Europa, parece evidente e até urgente que se possam encontrar soluções que permitam viabilizar novos investimentos e gerar mais bem estar para as populações locais, sem perda de identidade. É também nesta perspetiva operativa, dinâmica e não estática ou museológica, que me propus empreender este estudo.
O objectivo deste trabalho é, portanto, o de providenciar um conhecimento tão completo quanto possível das tipologias urbanas e da arquitectura popular dos povoados da região do Alentejo português, incluindo também como que um conjunto de informações ou uma análise tipológica que permita aos diversos agentes que intervêm no território, mais especialmente nestes pequenos aglomerados urbanos, mas também nas cidades da região, actuar com o sentido de preservação da singularidade local, respeitando, independentemente das questões de estilo, essa(s) unidade(s) tipológica(s) nos aspectos relacionados com a arquitectura, mas também nos do desenho urbano.
O meu entendimento nestas matérias e o meu objectivo neste trabalho é, assim, o de um estudo operativo, que permita recolher dos ensinamentos do passado – nos aspectos construtivos, da composição, da forma, das razões e dos processos – tudo quanto possa constituir uma vantagem, uma melhoria, uma boa solução para os problemas que hoje se colocam – de preservação de identidade cultural e de natureza ambiental – para que possamos deixar às gerações vindouras um futuro mais risonho e uma lembrança, uma memória, do essencial da sua história, da sua cultura, dos seus costumes e tradições, preservando o significado ou a razão da sua existência, naquilo que a diferencia de outros povos, de outras regiões, de outras culturas.
Trata-se portanto de um trabalho com claros objectivos operativos, um estudo metodológico, se quisermos, e não um mero rol ou levantamento exaustivo, de tom saudosista ou melancólico, para «arrumar» ou «guardar» museologicamente certos lugares, ou certos edifícios, mais preservados, despojando-os muitas vezes de vida própria e de sentido de existir.


* Excerto do título da Tese de Doutoramento de José Baganha, orientada pelo Prof. Javier Cenicacelaya e apresentada na Escola de Arquitectura do País Basco, em 2012.
** José Baganha Arquitectos Associados.

7.2 - Aveiro Polis: o reencontro da cidade com a Ria

por Fernando Jesus *
 
Com base no estudo do Polis e da cidade de Aveiro, e na análise feita, as questões inicialmente levantadas no início deste trabalho podem ser melhor esclarecidas. A intervenção nas margens ribeirinhas, entre a frente canal e a frente urbana, permitiu sem dúvida revitalizar o tecido urbano. Veja-se o bairro da Beira Mar. Também a ligação entre a zona histórica e os canais foi importante, na medida em que evitou a separação entre a zona ribeirinha e a zona histórica, mais concretamente através dos edifícios “âncora” já referenciados, o Mercado do Peixe, a Capitania, o Mercado Manuel Firmino e o Centro Cultural de Congressos.
Mas não chega somente recuperar espaços desqualificados ou criar novos. É importante que estes sejam “vigiados” e é necessário estar atento aos problemas que neles se vão gerando, tais como a degradação e a poluição. Apesar destes problemas por vezes estarem diretamente relacionados com o tempo e a intensidade do seu uso, se eles não forem tratados acabam por ser abandonados do quotidiano dos aveirenses, além de que prejudica a imagem em termos turísticos, sendo esta uma grande fonte de rendimento para a cidade, como se verificava com os espaços anteriormente já existentes e agora recuperados. No canal do Côjo esta situação começa a ser evidente.
As pessoas agora passeiam à Beira Ria, com espaços públicos que ganharam protagonismo na vivência da cidade. Aveiro ganhou em termos imagéticos, tornando-se uma cidade mais atrativa. O caráter social que se tinha perdido no tempo foi novamente “agarrado”, e hoje Aveiro pode ser descrita como a cidade dos canais na qual as pessoas são uma das grandes prioridades. A cidade é o cenário onde a vida acontece, e a oportunidade de “fazer cidade” que o Polis proporcionou a Aveiro fez com que a cidade se transformasse num palco, em que os seus canais por entre os cheios e vazios do edificado desenham a mesma, perpetuando desta forma a sua imagem e história.
 
 
* Arquitecto. Câmara Municipal de Aveiro

segunda-feira, 17 de junho de 2013

7.3 - Da urbanização sem urbanismo ao urbanismo sem urbanização

por Margarida Pereira e Luis Grave *

Em Portugal, o desenvolvimento urbano das últimas décadas apoiou-se numa intensa expansão urbana, menorizando as intervenções nas áreas consolidadas. O modelo foi sustentado por um conjunto diversificado de factores. A administração estimulou o processo através de uma forte infraestruturação do território e da qualificação do solo urbano em áreas de expansão sobredimensionadas e sem programação; do lado dos promotores, a aposta estava na produção intensiva de área urbanizada e de fogos, tirando partido da facilidade de acesso ao crédito e do dinheiro barato oferecido pela banca, aos investidores e às famílias. Os novos tecidos urbanos foram surgindo pela iniciativa dos detentores da propriedade, balizada por objectivos, estratégias, recursos e calendários próprios, a partir de orientações generalistas de macrozonamento e de índices urbanísticos, definidas a escalas inapropriadas para a boa gestão da cidade. O resultado, que se prolongou de forma persistente perante a aceitação generalizada do modelo, foi um crescimento urbano extensivo, fragmentado, desarticulado e desqualificado, desligado das dinâmicas demográficas e económicas, com multiplicação de infraestruturas subutilizadas e custos de gestão para o erário público desconhecidos. Foi o ciclo da urbanização sem urbanismo.
Este ciclo imobiliário de antecipação da oferta à procura influenciou a crise económico-financeira que despoletou em 2008 e não mais deixou de se agravar. A conjuntura recessiva, ao conjugar a retracção do investimento público e do rendimento das famílias com as dificuldades de acesso ao crédito, alterou radicalmente o contexto e enfatizou a insustentabilidade do modelo instalado, por redução drástica da procura. A lógica do crescimento colapsou, mas no território permanecem graves problemas sem solução equacionada: solos infraestruturados sem construção (ou construção incipiente); edifícios com obra suspensa, fogos concluídos sem procura. A par, há um universo (desconhecido) de compromissos ainda não formalizados (alvará emitido) mas com ónus pesados à banca (hipotecas, em função da edificabilidade potencial da propriedade dada pelo zonamento e índices do plano municipal vigente), que constituem pressões latentes mas indefinidas. A conjugação destas situações representa um problema complexo cujos contornos estão insuficientemente assimilados pelas entidades que gerem o território: primeiro o crescimento urbano com deficiente dotação de serviços coletivos, depois o esforço de investimento público para suprir a dotação daqueles serviços e, agora, os custos associados à subutilização e degradação das infraestruturas e serviços estruturados e dimensionados para uma realidade que não veio a acontecer e cujas consequências no sistema financeiro e na sustentabilidade ambiental e económica das cidades ainda não são conhecidas. Este cenário incerto coloca algumas certezas: o planeamento positivista, conceptualmente orientado para ordenar áreas urbanas em crescimento sem prévia avaliação de sustentabilidade económica, não tem capacidade para responder ao contexto estrutural recessivo; uma dinâmica de não crescimento e de desinvestimento exige outras estratégias, objectivos, métodos para planear o urbano; o modelo de gestão urbanística vigente não tem capacidade para responder às novas situações.
A comunicação, tendo como caso empírico um dos eixos de grande pressão urbana da área metropolitana de Lisboa, estruturado pela A12 na sequência da abertura da Ponte Vasco da Gama (Alcochete, Montijo, Palmela, Setúbal) pretende responder a três objectivos: discutir os contornos e dimensão da desarticulação das áreas urbanas em expansão; demonstrar que a gestão urbanística tem de abandonar a gestão de processos e evoluir para uma gestão do território mais preventiva e negociada; equacionar o potencial e limitação dos instrumentos de programação da execução urbanística até agora subestimados na prática operativa, apresentando novos contributos para minimizar os efeitos nefastos das práticas antecedentes e passar a uma gestão sustentável dos espaços urbanos. Pretende-se que seja o início do ciclo do urbanismo sem urbanização.


* E-Geo, Centro de Estudos de Geografia e Planeamento Regional, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa

7.4 - A delimitação das áreas urbanas na revisão dos PDM's. O caso de Castro Daire


por Ana Catarina Matias e Rui Florentino

A generalidade dos Planos Regionais de Ordenamento do Território (PROT’s) requer a prévia delimitação das áreas urbanas, como uma importante base de partida para a determinação da realidade construída, visando a abordagem crítica no âmbito da revisão dos Planos Directores Municipais (PDM’s). Esse enquadramento assume a aposta na contenção dos perímetros urbanos e na reabilitação das áreas já edificadas, em detrimento de nova urbanização.
Na literatura urbanística, a delimitação das áreas urbanas tem sido associada à necessidade de configuração de “unidades funcionais”, onde as relações económicas e sociais, articuladas com um bom desempenho de serviços públicos, infraestruturas e equipamentos, se encontram estabilizadas. Todavia, nalguns casos, as áreas urbanas não são autossuficientes, relacionando-se antes num sistema de complementaridades, a nível municipal e regional. Neste artigo apresenta-se a metodologia utilizada para a delimitação das áreas urbanas do concelho de Castro Daire, considerando a proposta do PROT e o guia de orientação da revisão dos PDM’s, da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento da Região Centro (2012).
Nos trabalhos anteriores sobre este tema, com recurso a métodos digitais, as diferenças surgem sobretudo na dimensão dos “buffers” e das opções tomadas quanto à relevância dos sistemas de infraestruturas e espaços vazios. Neste caso, as normas descritas nesse guia definem não apenas os limiares de densidade a considerar para as áreas edificadas consolidadas e dispersas, como também a distância de referência dos próprios aglomerados. A delimitação das áreas urbanas, desenvolvida igualmente segundo as normas específicas de base territorial estabelecidas pelo PROT Centro, é feita por meio digital, aferida através da interpretação de cartografia e ortofotomapas e por reconhecimento presencial sobre o território.
A primeira identificação das áreas urbanas consiste na agregação de polígonos de edifícios e na relação de distâncias entre eles, através da aplicação de “buffers” de afastamentos variáveis, em ambiente de sistema de informação geográfica. Para além dos polígonos, esta configuração considera também referências espaciais para as vias contíguas e de atravessamento. Os contornos finais são depois aferidos pela estrutura do povoamento, pelos limites cadastrais e pela fisionomia territorial. Posteriormente, a par da delimitação destas unidades, o método permite a determinação dos atributos de densidade e dimensão, que decorrem essencialmente das características intrínsecas a cada conjunto (área, perímetro e número de edifícios).
Pela análise do povoamento presente no município de Castro Daire, optou-se por introduzir paralelamente duas métricas, a fim de definir limiares de agregação, que embora com diferentes distâncias entre os elementos básicos da análise (os polígonos cartográficos identificados como construções fixas e respectivos anexos), apresentam uma semelhante identidade morfológica. Numa primeira fase, quantificam-se assim as áreas edificadas, para estudar as suas densidades relativas e em sequência verificar se a metodologia utilizada é adequada para uma posterior classificação e qualificação funcional do solo, de acordo o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial e os Decretos Regulamentares 9 e 11 de 2009.