domingo, 20 de maio de 2012

CASU 4 - Primavera de 2012

Com este 4º número conclui-se a fase inicial de arranque dos CASU's. Apesar de não se ter cumprido temporalmente a sequência trimestral prometida, já que o 2º número apenas surgiu no final do Outono de 2011 (praticamente um ano após os primeiros 4 textos publicados), este site atingiu já o objectivo a que nos haviamos proposto: fazer um registo de diferentes trabalhos, que temos tido a oportunidade de realizar e acompanhar, nas actividades docentes e de investigação e consultoria, organizados por domínios / "etiquetas" - arquitectura, espaço público, urbanismo e ordenamento do território.
Mas a principal satisfação, neste primeiro balanço editorial, é que a variedade de assuntos e autores terá certamente continuidade, porque novos desafios aparecem e mais estudantes acompanhamos, procurando valorizar a sua reflexão e o conhecimento de diferentes perspectivas de trabalho. Inerente a esta enriquecedora diversidade, é o olhar sobre muitos territórios, do Norte ao Sul de Portugal continental, que possivelmente no futuro serão alargados a outras fronteiras.
Por cá, a reforma territorial da administração portuguesa, que regressa agora à discussão pública, é um tema que acompanhamos há algum tempo, pelo menos desde 1998, quando um enviezado referendum adiou a regionalização. Passada quase década e meia, esta reforma já não é voluntária, passou a ser uma necessidade, imposta pela "assistência" política e financeira a que estamos subjugados. Ora, ela tem sem dúvida uma dimensão analítica, que o governo rapidamente quis traçar, com base nos indicadores quantitativos, mas não deve ser esquecida a sua dimensão geográfica, que tem a ver com os recursos naturais e as características especiais de cada território, como se deverá considerar pela aplicação da metodologia de avaliação estratégica, a que seguramente voltaremos.
Nesta edição dos Cadernos, apresenta-se o resumo de mais um trabalho de Pós-Graduação, neste caso sobre o planeamento de uma urbanização turística do Centro Litoral, e a memória de um projecto construído na margem Sul. O número completa-se com dois textos que são parte do 1º capítulo de um manual que ajudámos a redigir, em equipa coordenada por Fernando Nunes da Silva, sobre o desenvolvimento urbano sustentável, publicado pela Parque Expo em 2009.

sábado, 19 de maio de 2012

4.1 - Casa em Vale Flores, Almada

O lote situa-se numa pendente acentuada, em que a rua que lhe dá acesso está cerca de 6 metros acima do terreno plano, do lado nascente. Não sendo portanto aconselhável defender uma solução que passasse pela convencional rampa de acesso à garagem no piso mais baixo, porque teríamos uma inclinação de 20 %, que implicaria, também, a impermeabilização de grande parte do lote, optou-se por uma solução menos corrente, mas que permite o parqueamento coberto à cota de entrada da rua, integrando-o no piso superior da habitação. "Enterra-se" assim ligeiramente a casa, levando-a a um contacto directo com o terreno natural em baixo, em zona mais privilegiada. Por isso, ao contrário da maioria das habitações existentes e em construção neste Loteamento, o projecto propõe somente um piso acima da cota da rua, inclusivé rebaixado cerca de 1 metro na zona de entrada da casa, precisamente para se potenciar o uso exterior do lote, a partir das suas áreas de vida diurna, a sala e a cozinha.
Tal como imposto pelo Loteamento, não contando o parqueamento e a cave para arrumos, a área de construção da habitação é de 180 m2. A entrada faz-se a um patamar intermédio, ascendente para os quartos e descendente para a cozinha e a sala, que terão assim amplas aberturas para o terreno natural, ao qual se acede através de cinco degraus em deck permeável de madeira, formando-se uma zona de transição entre o interior e o exterior da habitação, à frente da área permeável ajardinada.
A cércea varia então entre os 3,5 e os 6,5 metros, dividindo-se em três pisos: o piso 1 com três quartos, duas instalações sanitárias mais o parqueamento, o piso 0 com a cozinha e a sala e o piso – 1, de arrumos, aproveitando a área fechada até às fundações, de acordo também com a sugestão dos serviços técnicos de licenciamento da Câmara. Ainda no exterior, nas partes laterais da habitação respeitam-se os afastamentos de 3 metros, deixando-se o terreno em pendente natural do lado Nordeste, enquanto que do lado Sudoeste optou-se por umas escadas de ligação à cozinha, sem necessidade de passar pelo interior da habitação.


Arqt.º Joaquim Novais (projecto base), Arqt.ª Andreia Pascoal (execução) e Rui Florentino.

4.2 - Valorização ambiental do espaço público

por Rui Florentino

A componente física do espaço urbano exerce uma grande influência na comodidade com que realizamos as actividades quotidianas, condicionando o bem-estar dos cidadãos. Para além de certas normas administrativas, que podem favorecer o seu bom desempenho (a lógica da perequação de benefícios e encargos, em áreas relativamente homogéneas) ou, pelo contrário, o tornam anónimo (como o nivelamento, por baixo, das dimensões mínimas de arruamentos e passeios), importa entender o desenho urbano enquanto arte de construção do espaço público e aprender, então, não só com as boas práticas recentes, como também com as práticas populares e tradicionais de cada lugar.
As preocupações básicas são obviamente as funcionais e de dimensionamento: a correcta distribuição de usos do solo, entre público e privado, de áreas permeáveis e de implantação, de zonas de circulação pedonal e viária, de materiais de pavimento e vegetação. Mas existe igualmente alguma informação de carácter ambiental que pode proporcionar maior criatividade ao desenho urbano e conforto para o espaço público; desde logo o conhecimento das orientações solares mais adequadas, do sentido predominante dos ventos, da temperatura e humidade do microclima. Sabe-se, por exemplo, que é difícil conseguir uma boa orientação em simultâneo para edifícios e espaços públicos, face a estações climáticas opostas. Se um conjunto de edifícios protege uma praça de ventos frios desagradáveis no Inverno, esse espaço poderá necessitar de outro tipo de protecção para não aquecer demasiado no Verão, quando as brisas no mesmo sentido permitiriam baixar as altas temperaturas.
Em qualquer caso, algumas soluções bioclimáticas podem ser utilizadas para oferecer conforto ambiental ao espaço público, considerando elementos naturais como a vegetação e a água, ou inertes, como o mobiliário e os materiais dos pavimentos e as suas cores, porque estes elementos e variáveis proporcionam obviamente diferentes sensações de calor e de humidade, conforme os objectivos que se pretendem alcançar. A este nível, salientam-se também questões importantes como a manutenção (que muitas vezes é esquecida e passa a ser um custo não relacionado com o proveito público do espaço) e a segurança, que de forma voluntária deverá ser logo maximizada evitando os lugares escondidos, fora do alcance dos “olhos da rua” (as janelas dos edifícios), como referiu Jane Jacobs (1961).
Mas o sucesso do espaço público não depende apenas de aspectos ambientais ou de desenho. Se, finalmente, “o que mais atrai as pessoas são as outras pessoas” e o que importa assegurar é uma boa intensidade de uso, então a razão para o sucesso do espaço público está também relacionada com a densidade e diversidade funcional das actividades da envolvente próxima. Com base nestas simples recomendações, atenda-se ainda à preservação de memórias colectivas relevantes e a propostas inovadoras, porventura mais multi-funcionais e acessíveis para todos.
Em Castelo Branco promoveu-se a requalificação dos centros histórico e cívico, com intervenções integradas para a melhoria dos espaços públicos, da mobilidade e do estacionamento, iniciando a aposta em simultâneo no urbanismo e nos transportes, que é um dos requisitos fundamentais da sustentabilidade aplicada ao ambiente urbano. Ao nível do espaço público, a praça central (na foto) contemplou uma prévia avaliação do conforto bioclimático e é agora valorizada com novos equipamentos, a Biblioteca Municipal e o Centro de Arte Contemporânea.

4.3 - O programa POLIS

por Rui Florentino

O projecto urbano de todos os POLIS obrigou à elaboração prévia de um plano de carácter estratégico para cada operação, que a “situou” na cidade, dando-lhe coerência a uma escala superior. Essa exigência levou a que alguns dos projectos já em curso, no âmbito das Câmaras Municipais, fossem ajustados e ganhassem informação crítica, no sentido de um desenvolvimento mais integrado, que incida de igual modo sobre as valências sociais e económicas em presença, como ocorreu por exemplo nos casos do Cacém e de Viseu.
De facto, deve-se valorizar o mecanismo de excepção administrativa utilizado nos POLIS, perante os procedimentos da gestão urbanística mais corrente, embora o que realmente interesse seja aprender das boas experiências. Nesse sentido, o projecto do Cacém resulta mesmo num exemplo para futuras intervenções em áreas periféricas dos principais centros urbanos, tanto para os processos contínuos da gestão municipal, como na política de cidades promovida pelo governo central. Na cidade de Viseu, a intervenção abrange uma área urbana considerável, com cerca de 260 hectares e integrando quatro Planos de Pormenor previstos no PDM, de objectivos bem diferentes, mas complementares entre si: o parque urbano da Aguieira; a envolvente urbana do rio Pavia; a Cava de Viriato e suas áreas envolventes; e ainda o prolongamento da Av. António José de Almeida.
Em Viana, o programa tocou também em diferentes espaços urbanos, fazendo neste caso um percurso mais linear, ao longo da margem norte do rio Lima, do campo da Agonia, passando pelo Plano de reabilitação do centro histórico, até ao Parque da Cidade, do lado nascente da ponte Eiffel. A intervenção contempla a renovação de toda a frente ribeirinha, permitindo a construção de espaços públicos e equipamentos para fruição da população, numa área com um elevado valor paisagístico. Regulou-se a circulação automóvel, em benefício de amplos espaços para a mobilidade pedonal, e obteve-se ainda um óptimo resultado na relação entre os planos e a arquitectura, com obras marcantes para o perfil urbano, como a Biblioteca Municipal e o Pavilhão Multiusos.
no caso de Albufeira, o programa visa qualificar a cidade para um turismo mais equilibrado, que supere os constrangimentos da sazonalidade e apresente novas oportunidades de desenvolvimento das actividades económicas, durante todo o ano. Trata-se de outra intervenção paradigmática do POLIS, dirigida à valorização do espaço público, num ambiente paisagístico, histórico e natural, de inegável qualidade. O conceito de ordenamento assenta então em vários planos integrados, não apenas ao nível urbanístico, mas também de transportes, estacionamento e valorização turística, com os quais se pretende alargar o centro funcional da cidade, reforçar a articulação do espaço público com as praias, condicionar a circulação automóvel e pedonalizar as áreas mais sensíveis.

4.4 - Plano de Pormenor do aldeamento Mira Villas

por Luis Gil *


Ao longo do tempo e com o evoluir das sociedades, todos os planos estão sujeitos à necessidade de ajustamentos, por forma a considerarem novas realidades territoriais e exigências da população. Inicialmente, a área residencial do Plano de Pormenor do aldeamento Mira Villas destinava-se fundamentalmente a segunda habitação, mas com a melhoria das acessibilidades exteriores passou a haver uma maior procura, com vista à residência permanente.
De facto, a melhoria da estrada nacional de acesso a Coimbra, com a construção da variante externa à vila de Mira, bem como a construção da A17, facilitando a ligação, em menos de 30 minutos, às cidades de Aveiro e Figueira da Foz, levou a que muitas pessoas que trabalham nesses centros urbanos optassem por residir neste aldeamento. Esta alteração, pela maior frequência de utilização dos espaços, obrigou também a outro tipo de funcionalidades, como os transportes públicos, que permitem a deslocação da população mais jovem para as escolas situadas na envolvente próxima.
Pelo seu enquadramento singular, ponderou-se também a construção de uma pequena unidade hoteleira no interior da urbanização, que não estava contemplada no Plano de Pormenor aprovado, bem como de um campo de golfe, situação igualmente não prevista no antecedente Plano Geral de Urbanização. Apesar ter sido o principal factor nas decisões dos investimentos efectuados no empreendimento, sucede no entanto que o campo de golfe acabou por ser inviabilizado com a aprovação de uma área protegida classificada como Rede Natura. Também em menor escala, mas não menos exempleficativo, um caminho pedonal que ligaria o centro da urbanização directamente à praia, nunca foi executado devido à intransigência do Plano de Ordenamento da Orla Costeira, que entrou em vigor algum tempo após o início do empreendimento.
Apenas o aparthotel veio a ser aprovado e verificou-se assim que é possível urbanizar certas infra-estruturas turísticas, mesmo em zonas ambientalmente sensíveis, desde que não provoquem conflitos irreversíveis, ficando demonstrada a boa coabitação entre o património natural e o construído.

Engenheiro Civil.
Mira Development, SA