domingo, 4 de agosto de 2013

8.1 - Maputo: mapeando contrastes morfológicos

por David Leite Viana *


Após a independência da capital moçambicana da administração colonial portuguesa, em 1975, a nova autoridade municipal definiu como uma das medidas estruturantes para Maputo (perspetivando uma ampla inclusão de população residente que permanecia excluída de dinâmicas urbanas de “desenvolvimento” e melhoria das condições de vida) a ampliação dos limites administrativos do espaço urbano, consubstanciando uma alargada estrutura urbana e periurbana que passou a incluir sectores suburbanos e de periferia no âmbito da organização citadina. Deste modo, a forma urbana daquela capital viu serem reconfigurados os seus contornos a partir de um processo muito rápido, que teve implicações determinantes ao nível da sua transformação e princípios de atuação previstos nas diversas estratégias constantes nas propostas de planos-estrutura elaborados nas décadas de 1980 e 1990.
O contexto genérico da comunicação prossegue do enquadramento referido, considerando problemáticas relativas à forma urbana de Maputo, entendida na sua extensão e tendo em linha de conta a consolidação acelerada de áreas edificadas cada vez mais afastadas do dito “centro”, comumente associado à designada «cidade de cimento». Constituem faixas periurbanas na qual coexistem grelhas residenciais com a habitação autoconstruída e auto-organizada. A quase monofuncionalidade da “periferia” de Maputo é acompanhada pela fragilidade infraestrutural dessa parte do espaço urbano, onde também se verificam outros deficits, no que se refere à oferta de equipamentos, transportes públicos e serviços urbanos, por exemplo. Não obstante, e pese embora o reconhecimento destes (e de outros) níveis de precaridade, a diversidade de configurações morfológicas justifica que se analise, sem preconceitos, a forma urbana na periferia daquela cidade.
Neste sentido, a comunicação versará a caracterização e descrição dos principais constituintes morfológicos que caracterizam as faixas periféricas da capital moçambicana, nomeadamente no que concerne aos sistemas e redes, aos tipos edificatórios, aos usos e tecidos. Para o efeito, apresentar-se-á um conjunto de mapeamentos respeitantes a distritos e bairros de Maputo que traduzirão contrastes entre o que tem “forma” e o que aparentemente carece dela, entre geometrias “lineares” e outras mais complexas, entre a pluralidade de conformações de malhas e eixos, de “texturas” e “granulometrias”, em que se perceberá como os distintos “fragmentos” se agregam (ou não) num intrincado “mosaico” que transcende noções dialéticas que ainda se possam estabelecer sobre a capital de Moçambique.
O propósito da comunicação será estabelecer, de forma sistemática, uma correlação entre categorias de formas que marcam a extensão do espaço urbano de Maputo, contribuindo para o aprofundamento do conhecimento sobre aquela capital e respetivo quadro morfológico. Pretende-se direcionar o resultado da apresentação no sentido da prossecução de perspetivas panorâmicas e abrangentes, capazes de integrar e articular o que se apresenta como contraditório e pouco conciliável, desmontando clivagens e hiatos ao nível da perceção que se pode alcançar sobre a forma urbana da “periferia” da cidade-capital moçambicana.
Para se objetivar o acima referido, os conteúdos elaborados para a sessão temática sobre “formas urbanas nas periferias das cidades” foram estruturados recorrendo à análise comparativa entre as diversas partes que compõem Maputo – tendo como base a cartografia da cidade (facultada em 2005 pelo Prof. Luís Lage, atual Diretor do Curso de Arquitetura e Planeamento Físico da Universidade Eduardo Mondlane). Através do redesenho desta planta geral da capital moçambicana, foram selecionados aspetos e elementos relevantes para explicar a morfologia da “periferia” de Maputo, focando hierarquias entre infraestruturas, conexões entre bairros, categorias de malhas, traçados de ruas, praças e largos, nós entre eixos viários, “filamentos” e “porosidades”, densidades, entre outros. Os mapeamentos a apresentar serão complementados por fotografias resultantes de “trabalho de campo” realizado em Maputo (2005 e 2012), procedendo-se a registos gráficos, a levantamento fotográfico, de documentos históricos, consulta de informação em arquivos, entrevistas exploratórias e desenho à vista de diversos sectores daquela capital. O tratamento de dados consequente possibilitou sistematizar um conjunto de referências que foram sintetizadas e interpretadas de modo a permitirem “ler” criticamente a cidade a partir dos seus contrastes.
Por isso mesmo, a pertinência da problemática aprofundada refere-se ao contributo dado para o estado da arte, no qual consolidam-se autores e obras que convalidam renovados olhares sobre contextos urbanos que partilham características como as de Maputo, configurando orientações alternativas para o urbanismo – “Everyday urbanism”, “Opportunistic urbanism”, “Informal urbanism”, “Tactical urbanism”, “Sensorial urbanismo”, “Chameleonic urbanism”. Estas e outras aproximações a processos de urbanismo mais inclusivos e efetivamente participados, com papel ativo das populações, reclamam que se reconsidere o modo como se encaram as designadas «periferias», implicando a necessidade de atualização e reconfiguração de modelos de atuação sobre a cidade.


* Professor da Escola Superior Gallaecia e Investigador do CITTA, Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto

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