domingo, 11 de março de 2012

CASU 3 - Inverno de 2012

Austeridade é uma palavra que adquiriu uma conotação negativa, sinónimo da necessidade de cortes nos salários e nas despesas, com que nos deparamos todos os dias, perante as actuais políticas europeias. Já no contexto da actividade de urbanismo, a austeridade pode ter, contudo, um sentido positivo, como demonstrou em 1978 o livro do italiano Giuseppe Campos Venuti, que foi consultor do governo espanhol para os estudos de planeamento metropolitano em Madrid, a par de Nuno Portas, em 1981. No nº 8 da revista Estudios Territoriales, a recensão de Pedro Marin Cots à publicação deste livro destaca que o termo deve aplicar-se a uma proposta de melhoria da qualidade urbana. "Neste sentido, a austeridade significa a luta contra o desperdício de recursos, em benefício da ampliação dos consumos sociais e equipamentos públicos." Com efeito, a consciência ecológica hoje mais apurada, passadas mais de 3 décadas, evidencia que necessitamos também de um amplo compromisso, para enfrentar a situação territorial e ambiental.
Questionar o modo como olhamos e interpretamos os espaços colectivos, que habitamos no quotidiano da nossa vida urbana, é muitas vezes o que propomos em meio académico. O gosto com que o fazemos é ainda mais revelante quando os nossos interlocutores não são propriamente arquitectos ou urbanistas. Neste 3º número dos CASU, publicam-se resumos de trabalhos realizados para as aulas de Urbanismo e Território, no âmbito da Pós-Graduação em Gestão e Avaliação no Imobiliário, da Escola de Gestão Empresarial da UCP-Porto, que incluem autores licenciados em Ciências Farmaceuticas e Informática de Gestão (!). Ora, tal não impede que em pouco tempo consigam entender os problemas e as questões práticas essenciais de urbanismo e ordenamento. Assim, Madalena Macedo Pinto apresenta-nos a urbanização do Foco, na Avenida da Boavista, José Luis Lourenço analisa diferentes espaços verdes e de lazer, João Fonseca reflecte sobre um novo projecto urbano residencial e Ricardo Almeida salienta a importância da rede de transportes públicos, tendo nestes casos como denominador comum o território da cidade-região do Porto.
No fundo, a mensagem que sempre deixamos em diagonal, como quem escreve sobre o que já sabe, são observações sobre política urbana, que requerem bastante ponderação, sobretudo em tempos de austeridade, como este.
a) que a cidade deve ser vista como a solução para podermos viver melhor, como diz Jaime Lerner, porque ela permite uma sociedade mais próspera e coesa;
b) que com a evolução tecnológica os estilos de vida mudam muito rapidamente, mas a cidade demora mais tempo, pelo que os urbanistas somos algo conservadores;
c) que a administação local deve desenvolver competências, em qualidade ambiental, mobilidade urbana e reabilitação do espaço público;
d) e que os agentes económicos entendem agora que o rendimento urbano estará em territórios criativos, procurando juntar a inovação com o legado histórico.

segunda-feira, 5 de março de 2012

3.1 - Complexo residencial da Boavista

por Madalena Macedo Pinto *

O complexo residencial da Boavista foi inicialmente designado por "Urbanização William Graham", devido a ter sido edificado no terreno que ocupava a área de uma antiga fábrica textil, pertencente a essa firma inglesa, construída nos finais do séc. XIX. Após a paralização da unidade fabril, a William Graham, proprietária do imóvel e de terrenos anexos, decidiu rentabilizar o local, projectando um complexo residencial.
A ideia de construir uma urbanização nesta zona estava de acordo com o Plano Director da cidade do Porto, do urbanista Robert Auzelle, do início dos anos 60. Actualmente, este complexo é mais conhecido por "Foco", devido ao nome do cinema entretanto aí instalado. Realizado a partir de 1962 pelo Arquitecto Agostinho Ricca, o projecto caracteriza-se por um urbanismo moderno, em que se abandonam os elementos morfológicos da cidade tradicional - "o quarteirão fechado" e "a rua corredor", desenhando a urbanização com um ambiente humanizado, integrado por amplos espaços verdes.
Trata-se de uma zona residencial a par de escritórios, galerias comerciais, um hotel, um clube destinado aos moradores, uma sala de espectáculos e uma igreja, projectada em 1979, também por Ricca. Todos estes equipamentos se desenvolvem à volta de um espaço verde destinado ao convívio. Na concepção desta área, é notório o cuidado que houve em dar aos espaços de lazer um carácter reservado, que os torna bastante agradáveis. Isto foi conseguido separando-os da rua e do estacionamento, através da aplicação de diferentes patamares, encontrando-se a circulação viária a uma cota mais elevada. Criou-se um desnível entre a vegetação e os edifícios, que dá uma sensação de maior acolhimento. As extensas galerias comerciais situam-se nos edifícios dos dois lados deste jardim central.
Inicialmente, a única entrada existente para "o Foco" era pela Avenida da Boavista, o que dava a este complexo um cariz de "condomínio fechado". Só muitos anos mais tarde, em 2004, foi aberta uma saída para Norte, que transformou o Foco numa zona de passagem para acesso a outras partes da cidade e sua envolvente, através da Via de Cintura Interna.
O facto de ter sido construído em várias fases, explica a evolução de um desenho inicial muito racionalista, para um diálogo com os upgrades que a arquitectura foi entretanto adquirindo. Este complexo residencial revela assim um enorme estudo e aplicação de conhecimentos da vivência urbana, resultando num espaço interessantíssimo, que cumpre, na sua maioria, todos os objectivos a que se propôs, estimulando relações sociais que acontecem da simples rotina diária.

* Pós-Graduada em Gestão e Avaliação no Imobiliário

Fonte da imagem - http://pt.wikipedia.org/wiki/Agostinho_Ricca

3.2 - Os espaços verdes e de lazer da cidade do Porto

por José Luis Lourenço *

Se parece consensual afirmar que quanto maior for a área de Espaços Verdes de uma cidade, melhor será a qualidade do ar e da vida das populações, bem como que as zonas verdes podem contribuir para mais facilmente reduzir a poluição sonora e aumentar o conforto térmico das zonas habitacionais, também é verdade que a cidade é um espaço urbano e não meio rural, devendo os Planos e Regulamentos ter a função de tentar definir o equilíbrio e as regras destas áreas. É também consensual que a cidade do Porto teve uma melhoria significativa nos últimos 20 anos em termos de espaços verdes, em que muito contribuiu o Parque da Cidade e o aumento de ruas arborizadas, mas também o incremento de áreas verdes de proximidade. Mas mesmo nos casos em que as capitações dos espaços verdes de proximidade estão de acordo com os regulamentos e a legislação vigentes, verifica-se que os mesmos têm um cariz essencialmente estético e não convidam ao usufruto pela população.
Afigura-se assim que existe alguma falta de coerência na política de implementação de espaços verdes com identidade na cidade do Porto, quer em temos de distribuição espacial dos mesmos pela cidade, quer na sua tipologia e configuração, quer na falta de definição de espaços de lazer complementares atractivos. Não basta haver mais áreas verdes na cidade do Porto, é necessário a Câmara ter uma postura pró-activa, passando a fazer estudos sistemáticos, da adequação dos mesmos às expectativas das populações, que certamente também serão diferentes conforme a idade, extracto sócio/económico/cultural, para além de evoluírem com os tempos. Assim, é importante a diversidade de tipos de espaços verdes, e fazer experiências com a utilização dos mesmos.
A baixa frequência de utilizadores de todos os espaços verdes analisados nos fins de semana de observação para este trabalho, contrastante com o sucesso de público na marginal da Foz e nos parques infantis da Quinta do Covelo e Praia do Homem do Leme, sugerem pistas de análise futura relativas às apostas de investimento em Espaços Verdes e de Lazer na Cidade do Porto, face às necessidades actuais de rentabilização dos escassos recursos económicos e do fomento generalizado da qualidade de vida.

* Engenheiro Civil.
Fase, Estudos e Projectos SA

Fonte da imagem - http://sidoniopardal.com

3.3 - O Plano de Pormenor da Gist-Brocades

por João Fonseca*

A antiga fábrica da Gist-Brocades, em Matosinhos, produzia levedura de panificação para aplicação na indústria alimentar e também penicilina. Ocupava uma área aproximada de 3 ha, numa zona industrial constituída desde os inícios do séc. XX, na entrada sul da cidade. Tendo laborado durante cinquenta anos, cessou a sua actividade no ano de 2001, fruto da pressão exercida no sentido de recuperar e reconverter a zona, eliminando o forte impacte ambiental negativo. A transformação deste espaço deu origem ao empreendimento designado Palácio da Enseada.
A criação do Plano de Pormenor da Gist-Brocades vem no seguimento de uma política de obtenção de mais valias urbanísticas de forma a aproveitar o grande impluso dado ao mercado residencial pela conjuntura económica e de concessão de crédito para compra de habitação, em vigor no início deste século. Para um desenvolvimento urbano sustentável seria essencial que neste Plano em particular, e no Plano de urbanização de Matosinhos Sul em geral, fosse considerada uma mistura de usos - instituições públicas e privadas, escritórios, habitação e hóteis.
No caso deste Plano de Pormenor criou-se um fluxo estimado de cerca de 600 habitantes que vão estar fora da zona durante um largo período do dia e que só voltam a esta área quando o comércio de rua está fechado ou não proporciona condições de conforto e estacionamento que motivem o seu recurso. A existência de uma zona forte em serviços, nomeadamente escritórios, iria trazer para a área envolvente ao Plano um número considerável de pessoas que poderiam utilizá-la durante o dia. Desta forma, seria possível desenvolver uma série de políticas activas de fomento do comércio de rua, atendendo a que existiria público consumidor.
Em resumo, levantam-se algumas interrogações quanto aos índices adoptados, é questionada a utillização do espaço público para acesso ao estacionamento privado, a ausência de estacionamento público, a mobilidade, a falta de mistura de usos com consequências nefastas para a dinamização da zona comercial da envolvente e também a componente ambiental do projecto.

* Perito Avaliador de Imóveis.
Formatos. Formadores e Consultores Associados, Lda.

Fonte da imagem - http://palaciodaenseada.com

domingo, 4 de março de 2012

3.4 - Metro do Porto. A vida em movimento

por Ricardo Almeida*

O Metro do Porto é mais do que uma simples infra-estrutura. É um projecto de referência, uma ideia ambiciosa e um alicerce que contribui para o aumento da auto-estima de quem usufrui e se sente integrado nesta região.
As perspectivas de crescimento nos seus utilizadores mantêm-se, nomeadamente com o alargamento da rede. Neste contexto, será relevante a extensão da linha amarela em Gaia até à Vila d'Este. Além da valorização local, os aspectos sociais desta zona são muito importantes e por certo a expansão do Metro do Porto continuará a contribuir para o aumento da qualidade de vida desta população, conjuntamente com a requalificação urbana que está actualmente a ser implementada.
A discussão em torno do projecto do Metro do Porto é um processo participativo, com o envolvimento das pessoas, dos políticos e dos principais stakeholders da região: Voluntário, porque envolveu as pessoas, projectando para um futuro melhor; Inclusivo, tentou não deixar nenhum componente de fora, incluindo diversas visões sobre o projecto; Contínuo, depois da obra concluída, continua a existir um acompanhamento permanente por parte da empresa pública de transportes; Indicativo, recebe continuadamente sugestões de melhoria do espaço, como é exemplo a inclusão de iniciativas culturais dentro das estações de metro; Orientado para a procura, não estando desfasado com a realidade, ou seja, existe procura e necessidade desta infra-estrutura; Ultrapassa limites, não é pensado apenas nos limites territoriais de cada concelho; Participado, continua a ter uma participação grande do público que se sente orgulhoso e envolvido na melhoria da sua qualidade de vida; Sustentável, reduz em muito as emissões de CO2 e existe uma conduta eco-eficiente em todas as práticas da empresa, nomeadamente a contabilização dos fluxos de energia; e Intermodal, pela articulação com as outras redes de transportes públicos da região.

* Engenheiro do Ambiente.
Gaianima