segunda-feira, 17 de junho de 2013

7.3 - Da urbanização sem urbanismo ao urbanismo sem urbanização

por Margarida Pereira e Luis Grave *

Em Portugal, o desenvolvimento urbano das últimas décadas apoiou-se numa intensa expansão urbana, menorizando as intervenções nas áreas consolidadas. O modelo foi sustentado por um conjunto diversificado de factores. A administração estimulou o processo através de uma forte infraestruturação do território e da qualificação do solo urbano em áreas de expansão sobredimensionadas e sem programação; do lado dos promotores, a aposta estava na produção intensiva de área urbanizada e de fogos, tirando partido da facilidade de acesso ao crédito e do dinheiro barato oferecido pela banca, aos investidores e às famílias. Os novos tecidos urbanos foram surgindo pela iniciativa dos detentores da propriedade, balizada por objectivos, estratégias, recursos e calendários próprios, a partir de orientações generalistas de macrozonamento e de índices urbanísticos, definidas a escalas inapropriadas para a boa gestão da cidade. O resultado, que se prolongou de forma persistente perante a aceitação generalizada do modelo, foi um crescimento urbano extensivo, fragmentado, desarticulado e desqualificado, desligado das dinâmicas demográficas e económicas, com multiplicação de infraestruturas subutilizadas e custos de gestão para o erário público desconhecidos. Foi o ciclo da urbanização sem urbanismo.
Este ciclo imobiliário de antecipação da oferta à procura influenciou a crise económico-financeira que despoletou em 2008 e não mais deixou de se agravar. A conjuntura recessiva, ao conjugar a retracção do investimento público e do rendimento das famílias com as dificuldades de acesso ao crédito, alterou radicalmente o contexto e enfatizou a insustentabilidade do modelo instalado, por redução drástica da procura. A lógica do crescimento colapsou, mas no território permanecem graves problemas sem solução equacionada: solos infraestruturados sem construção (ou construção incipiente); edifícios com obra suspensa, fogos concluídos sem procura. A par, há um universo (desconhecido) de compromissos ainda não formalizados (alvará emitido) mas com ónus pesados à banca (hipotecas, em função da edificabilidade potencial da propriedade dada pelo zonamento e índices do plano municipal vigente), que constituem pressões latentes mas indefinidas. A conjugação destas situações representa um problema complexo cujos contornos estão insuficientemente assimilados pelas entidades que gerem o território: primeiro o crescimento urbano com deficiente dotação de serviços coletivos, depois o esforço de investimento público para suprir a dotação daqueles serviços e, agora, os custos associados à subutilização e degradação das infraestruturas e serviços estruturados e dimensionados para uma realidade que não veio a acontecer e cujas consequências no sistema financeiro e na sustentabilidade ambiental e económica das cidades ainda não são conhecidas. Este cenário incerto coloca algumas certezas: o planeamento positivista, conceptualmente orientado para ordenar áreas urbanas em crescimento sem prévia avaliação de sustentabilidade económica, não tem capacidade para responder ao contexto estrutural recessivo; uma dinâmica de não crescimento e de desinvestimento exige outras estratégias, objectivos, métodos para planear o urbano; o modelo de gestão urbanística vigente não tem capacidade para responder às novas situações.
A comunicação, tendo como caso empírico um dos eixos de grande pressão urbana da área metropolitana de Lisboa, estruturado pela A12 na sequência da abertura da Ponte Vasco da Gama (Alcochete, Montijo, Palmela, Setúbal) pretende responder a três objectivos: discutir os contornos e dimensão da desarticulação das áreas urbanas em expansão; demonstrar que a gestão urbanística tem de abandonar a gestão de processos e evoluir para uma gestão do território mais preventiva e negociada; equacionar o potencial e limitação dos instrumentos de programação da execução urbanística até agora subestimados na prática operativa, apresentando novos contributos para minimizar os efeitos nefastos das práticas antecedentes e passar a uma gestão sustentável dos espaços urbanos. Pretende-se que seja o início do ciclo do urbanismo sem urbanização.


* E-Geo, Centro de Estudos de Geografia e Planeamento Regional, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa

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