quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

6.3 - Ensinar Urbanismo ou "baralhar e voltar a dar"? *

Num livro introdutório, a Professora Inés Sánchez de Madariaga explica como a história do urbanismo, enquanto disciplina, se poderá fundamentar em 3 grandes tradições, relacionadas com diferentes aproximações epistemológicas aos factos urbanos: uma aproximação estética e artística, que relaciona a visão clássica da arte urbana renascentista e barroca com a morfologia da cidade e o projecto urbano actual (numa lógica estético-expressiva); uma aproximação técnica e racionalista, segundo o pré-urbanismo científico, que se desenvolve no séc. XX através dos movimentos modernos, do funcionalismo e da sustentabilidade ambiental (numa lógica técnico-dedutiva); e uma aproximação ética e social, que considera o urbanismo como um meio para a reforma social, desde a utopia à filosofia política, passando pela institucionalização do planeamento municipal até às experiências actuais de participação e de concertação social (numa lógica ético-normativa).
Com base nesta leitura, parece-nos aceitável defender que daqui decorrem as três principais dimensões do urbanismo, que servem de base à sua área de conhecimento específica e se mantêm presentes nos nossos dias: uma primeira dimensão artística, uma segunda dimensão técnica e uma terceira dimensão social. Mas é também por esta dificuldade em se  conciliar numa mesma estrutura universitária estes diferentes campos do saber que o licenciado dificilmente sairá com aptidões necessárias para a prática do urbanismo (e Urbanista como tal), ao fim de um primeiro ciclo de 4 ou 5 anos. Temos pois a sensação de que em Portugal, no ensino do urbanismo, corremos o risco de nos estarmos frequentemente a repetir, a “baralhar e a voltar a dar” os mesmos conhecimentos, seja em graduações ou em pós-graduações, em vez de se pensar num percurso sequencial de formação, que culminará sempre com a prática do planeamento.
Neste sentido, é importante reler as orientações para os conteúdos na formação dos Urbanistas que o Royal Town Planning Institute tem divulgado. Com base na definição da disciplina que o Conselho Europeu de Urbanistas estabeleceu, o Instituto recomenda às escolas de urbanismo diversos elementos de suporte à estrutura curricular, subdivididos em dois tipos de conhecimentos: os "Substantivos" e as Habilitações Práticas.
Este resumo é útil para nos recordarmos da complexidade inerente ao ensino do urbanismo e poderia encorajar as nossas Faculdades para um debate, ainda que inicialmente académico, sobre a formação que estamos a oferecer neste momento em urbanismo, planeamento e ordenamento do território, nas diferentes escolas (de Arquitectura, Engenharia, Geografia, Sociologia, Economia, etc.). Parece-nos que sem o esforço complementar das instituições de ensino seguiremos longe de atingir o nível profissional de outros países europeus e mantemos o risco de continuar a “baralhar e a voltar a dar” os mesmos conhecimentos, em diferentes graus, para alunos com diversos níveis de formação.


* por Rui Florentino. Excerto do artigo publicado na revista Urbanismo, nº 20 (2005), da AUP.

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