domingo, 23 de dezembro de 2012

6.1 - Sem Preconceitos *


Fui habituado desde pequeno a olhar as povoações contínuas do Minho Litoral como lugares de passagem até chegar à Galiza, onde me esperavam 3 meses de imenso Verão. O percurso fazia-se durante todo o dia, por vezes muito lento devido às paragens próprias da época, em especial na EN 13, à passagem na Póvoa, em Ofir, Esposende, Viana, etc. Ansioso por chegar, era então que, já em Caminha, vislumbrava o encontro da foz do Minho com o mar e o Monte de Santa Tecla do outro lado, a anunciar que o nosso merecido descanso se aproximava.
Anos depois, acabei por conhecer um pouco dessa costa litoral, que tinha a sua própria história de férias em Moledo, onde alguns dos professores da “escola do Porto” haviam construído diferentes residências, algumas das quais tive a ocasião de visitar e através delas aprender também uma boa parte do que é o ofício da arquitectura, como os problemas de escala, dos usos e da construção, tão importantes na cultura arquitectónica desta região. A influência que essas obras tiveram na experiência profissional do Arq.º Sandro Lopes é ainda visível, mas o projecto desta habitação resulta também da sua prática em anteriores programas de âmbito público e de um constante diálogo com o proprietário, sempre indispensável para a consolidação teórica de uma obra desta natureza.
A “casa Fernando Martins” localiza-se já na dobra para o que resta da ruralidade de Caminha, virada a Norte para a foz do rio Coura. A escolha do local de implantação apresenta em resumo o valor da obra, que se “afasta” do acesso automóvel e aumenta a sua presença ao situar-se no ponto mais alto do terreno. Também por isso se distancía de preconceitos que poderiam complicar a sua leitura, como o imaginário minimal mais redutor ou as referências explícitas à tectónica local.
O projecto remete assim de maneira directa para as formas clássicas das obras de Frank Lloyd Wright, sem maior inquietude do que integrar todas as condicionantes na procura da melhor solução. Neste sentido comprova-se novamente a “lição venturiana”, que junta alegremente os problemas conceptuais e explora a partir deles as dificuldades com o que projecto se vai deparando. É o caso por exemplo das aberturas necessárias a Norte, de onde se obtém a melhor vista para o exterior, que se resolve através de uma agradável sequência de vãos, ao juntar a madeira das varandas salientes das salas com o ritmo das janelas dos quartos, por sua vez alinhadas com a superfície branca da parede que serve de transição para o remate com a cobertura.
No piso inferior, a parede corrida revestida a tijolo convida a entrar por debaixo desse grande balcão exterior e cobre a área técnica da casa, enquanto que do lado Sul, mais escondido pela inclinação do terreno, se concentram a cozinha, os escritórios e o corredor de acesso aos quartos, dando para um pequeno pátio. A cobertura em gravilha interrompe-se então para iluminar superiormente o hall e a escada de acesso, de forma a completar a luminosidade natural da área central da casa.
Num tempo estimulado pelo constante elogio do novo e das estranhas imagens da vanguarda arquitectónica, é no mínimo saudável observar esta “simples homenagem” à memória da “linguagem wrightiana”, apresentada sem preconceitos, afinal na melhor tradição do que sempre foi a arquitectura, o que revela uma maturidade pouco comum na sua geração, que só nos parece possível através de uma reflexão permanente sobre o desenho e os conteúdos e materiais preexistentes.


* artigo publicado na revista Arquitectura e Vida, nº 59, 2005.

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