quarta-feira, 19 de junho de 2013
CASU 7 - Inverno de 2013
A poucas horas do Verão oficial, completa-se a edição 7 dos CASU, com mais 4 nano-artigos (ou resumos, dito doutra forma). É a primeira do ano, portanto a de Inverno. Sim, porque este ano ainda não chegou a Primavera, já bem entrados em Junho. Assim que resolvemos manter a sequência e em breve poderá ler aqui mais 8 textos, no conjunto dos números 8 e 9, antes de Setembro e de voltar o Outono.
Neste Inverno de 2013, ficámos sem a presença física do fundador da Associação dos Urbanistas Portugueses. No dia 20 escrevi estas palavras, para o "livro dos afectos" que lhe seria entregue, com textos dos seus colegas e amigos.
"O Professor Costa Lobo marcou a minha vida, renovando o gosto pelo urbanismo e levando-me a aprofundar conhecimentos na área do planeamento. Nunca me esquecerei da sua facilidade para comunicar e cativar a atenção das pessoas, ajudando-nos a pensar. Num final de tarde, quando ainda mal nos conhecíamos, perguntou-me se não queria ir às Jornadas da Associação dos Urbanistas em Lagos. "Ponha um pijama no saco e apareça aqui no Técnico" - disse, com a maior naturalidade. Mais de uma década depois, concluiu um dia da conferência "Arquitectura e Qualificação da Cidade", na Universidade Católica, com os seus memoráveis desenhos que comunicam ideias, e logo as jovens alunas do 1º ano, entusiasmadas, perguntaram se iriam ter aquele Professor no curso. Hoje faço também parte da sua AUP e voltei a encontrá-lo no Congresso Ibérico da Covilhã, entre os seus amigos Duarte Castelbranco e Pedro Guimarães." *
Bem haja Professor Costa Lobo, estará por muito mais tempo entre nós.
Neste 7º número dos CASU's apresento 3 resumos de comunicações nas últimas Jornadas da AUP, as décimas quartas, que em boa hora os colegas Sidónio Pardal e Luís Pedro Cerqueira decidiram organizar, às quais juntei algumas linhas das conclusões da dissertação do Fernando Jesus, que tive o gosto de orientar.
* Esta foto foi-me gentilmente cedida pelo colega António Castelbranco.
7.1 - Arquitectura Popular nos Povoados do Alentejo *
por José Baganha **
Neste ensaio aprofundam-se os conhecimentos sobre a matéria de estudo, na senda de uma melhor, mais completa e fundamentada compreensão da singularidade tipológica das construções ditas «populares», nos seus vários aspetos e nas suas várias expressões de local para local, com diversidades por vezes muito subtis mas também muito interessantes, e ainda, da relação ou interdependência do espaço construído (privado) e do espaço livre (público) – dependência recíproca ou relação indissociável, que forma um todo coerente e singular.
Considerando que a ocupação urbana do território compreende, em termos formais, dois elementos fundamentais: a estrutura edificada e os espaços livres (exteriores), formados pelas áreas de circulação e estadia - ruas, praças e largos – e restantes espaços não construídos públicos ou privados, teremos que o carácter, a identidade, de um determinado povoado resulta da distribuição relativa dos diversos espaços, bem como da sua articulação e da arquitectura dos seus edifícios. O objetivo aqui contido, neste estudo, é o de usar toda esta singularidade cultural, este manancial riquíssimo, nas intervenções que hoje fazemos nessas aldeias, nos montes, nas vilas, nas cidades, a nível urbanístico ou arquitetónico, com uma abordagem culta, nova, sem preconceitos ideológicos mas profundamente ecológica.
É hoje, aliás, universalmente aceite que a Cidade (no sentido mais lato do termo) constitui o tema número um no que diz respeito à sustentabilidade ambiental; A cidade é a base dos três pilares do desenvolvimento sustentável – o físico, o ambiental e o económico. Há portanto que estudar a sua forma, a sua estrutura, de região para região, atendendo aos aspetos particulares. E isso passa, não há dúvida, também, por uma Cidade mais humanizada, por intervenções mais sustentáveis no domínio do urbano, da arquitetura e da construção, procurando aquelas soluções, por vezes tão simples, tão empíricas, que sempre estiveram ao nosso alcance, que parece pertencerem a um determinado lugar e a nenhum outro, como que «brotando da terra», concentrando o engenho do Homem, a evolução, a invenção, no respeito pelo arquétipo, assumindo “a identidade do lugar como condição para a identidade do Homem” (Irene Ribeiro, 1993).
Perante um cenário mais ou menos previsível e bastante provável de descaracterização e desqualificação ambiental, que os fenómenos da globalização e do turismo de massas poderão vir a gerar nesta região, como noutras do Sul da Europa, parece evidente e até urgente que se possam encontrar soluções que permitam viabilizar novos investimentos e gerar mais bem estar para as populações locais, sem perda de identidade. É também nesta perspetiva operativa, dinâmica e não estática ou museológica, que me propus empreender este estudo.
O objectivo deste trabalho é, portanto, o de providenciar um conhecimento tão completo quanto possível das tipologias urbanas e da arquitectura popular dos povoados da região do Alentejo português, incluindo também como que um conjunto de informações ou uma análise tipológica que permita aos diversos agentes que intervêm no território, mais especialmente nestes pequenos aglomerados urbanos, mas também nas cidades da região, actuar com o sentido de preservação da singularidade local, respeitando, independentemente das questões de estilo, essa(s) unidade(s) tipológica(s) nos aspectos relacionados com a arquitectura, mas também nos do desenho urbano.
O meu entendimento nestas matérias e o meu objectivo neste trabalho é, assim, o de um estudo operativo, que permita recolher dos ensinamentos do passado – nos aspectos construtivos, da composição, da forma, das razões e dos processos – tudo quanto possa constituir uma vantagem, uma melhoria, uma boa solução para os problemas que hoje se colocam – de preservação de identidade cultural e de natureza ambiental – para que possamos deixar às gerações vindouras um futuro mais risonho e uma lembrança, uma memória, do essencial da sua história, da sua cultura, dos seus costumes e tradições, preservando o significado ou a razão da sua existência, naquilo que a diferencia de outros povos, de outras regiões, de outras culturas.
Trata-se portanto de um trabalho com claros objectivos operativos, um estudo metodológico, se quisermos, e não um mero rol ou levantamento exaustivo, de tom saudosista ou melancólico, para «arrumar» ou «guardar» museologicamente certos lugares, ou certos edifícios, mais preservados, despojando-os muitas vezes de vida própria e de sentido de existir.
* Excerto do título da Tese de Doutoramento de José Baganha, orientada pelo Prof. Javier Cenicacelaya e apresentada na Escola de Arquitectura do País Basco, em 2012.
** José Baganha Arquitectos Associados.
Neste ensaio aprofundam-se os conhecimentos sobre a matéria de estudo, na senda de uma melhor, mais completa e fundamentada compreensão da singularidade tipológica das construções ditas «populares», nos seus vários aspetos e nas suas várias expressões de local para local, com diversidades por vezes muito subtis mas também muito interessantes, e ainda, da relação ou interdependência do espaço construído (privado) e do espaço livre (público) – dependência recíproca ou relação indissociável, que forma um todo coerente e singular.
Considerando que a ocupação urbana do território compreende, em termos formais, dois elementos fundamentais: a estrutura edificada e os espaços livres (exteriores), formados pelas áreas de circulação e estadia - ruas, praças e largos – e restantes espaços não construídos públicos ou privados, teremos que o carácter, a identidade, de um determinado povoado resulta da distribuição relativa dos diversos espaços, bem como da sua articulação e da arquitectura dos seus edifícios. O objetivo aqui contido, neste estudo, é o de usar toda esta singularidade cultural, este manancial riquíssimo, nas intervenções que hoje fazemos nessas aldeias, nos montes, nas vilas, nas cidades, a nível urbanístico ou arquitetónico, com uma abordagem culta, nova, sem preconceitos ideológicos mas profundamente ecológica.
É hoje, aliás, universalmente aceite que a Cidade (no sentido mais lato do termo) constitui o tema número um no que diz respeito à sustentabilidade ambiental; A cidade é a base dos três pilares do desenvolvimento sustentável – o físico, o ambiental e o económico. Há portanto que estudar a sua forma, a sua estrutura, de região para região, atendendo aos aspetos particulares. E isso passa, não há dúvida, também, por uma Cidade mais humanizada, por intervenções mais sustentáveis no domínio do urbano, da arquitetura e da construção, procurando aquelas soluções, por vezes tão simples, tão empíricas, que sempre estiveram ao nosso alcance, que parece pertencerem a um determinado lugar e a nenhum outro, como que «brotando da terra», concentrando o engenho do Homem, a evolução, a invenção, no respeito pelo arquétipo, assumindo “a identidade do lugar como condição para a identidade do Homem” (Irene Ribeiro, 1993).
Perante um cenário mais ou menos previsível e bastante provável de descaracterização e desqualificação ambiental, que os fenómenos da globalização e do turismo de massas poderão vir a gerar nesta região, como noutras do Sul da Europa, parece evidente e até urgente que se possam encontrar soluções que permitam viabilizar novos investimentos e gerar mais bem estar para as populações locais, sem perda de identidade. É também nesta perspetiva operativa, dinâmica e não estática ou museológica, que me propus empreender este estudo.
O objectivo deste trabalho é, portanto, o de providenciar um conhecimento tão completo quanto possível das tipologias urbanas e da arquitectura popular dos povoados da região do Alentejo português, incluindo também como que um conjunto de informações ou uma análise tipológica que permita aos diversos agentes que intervêm no território, mais especialmente nestes pequenos aglomerados urbanos, mas também nas cidades da região, actuar com o sentido de preservação da singularidade local, respeitando, independentemente das questões de estilo, essa(s) unidade(s) tipológica(s) nos aspectos relacionados com a arquitectura, mas também nos do desenho urbano.
O meu entendimento nestas matérias e o meu objectivo neste trabalho é, assim, o de um estudo operativo, que permita recolher dos ensinamentos do passado – nos aspectos construtivos, da composição, da forma, das razões e dos processos – tudo quanto possa constituir uma vantagem, uma melhoria, uma boa solução para os problemas que hoje se colocam – de preservação de identidade cultural e de natureza ambiental – para que possamos deixar às gerações vindouras um futuro mais risonho e uma lembrança, uma memória, do essencial da sua história, da sua cultura, dos seus costumes e tradições, preservando o significado ou a razão da sua existência, naquilo que a diferencia de outros povos, de outras regiões, de outras culturas.
Trata-se portanto de um trabalho com claros objectivos operativos, um estudo metodológico, se quisermos, e não um mero rol ou levantamento exaustivo, de tom saudosista ou melancólico, para «arrumar» ou «guardar» museologicamente certos lugares, ou certos edifícios, mais preservados, despojando-os muitas vezes de vida própria e de sentido de existir.
* Excerto do título da Tese de Doutoramento de José Baganha, orientada pelo Prof. Javier Cenicacelaya e apresentada na Escola de Arquitectura do País Basco, em 2012.
** José Baganha Arquitectos Associados.
7.2 - Aveiro Polis: o reencontro da cidade com a Ria
por Fernando Jesus *
Com base no estudo do Polis e da cidade de Aveiro, e na análise feita, as questões inicialmente levantadas no início deste trabalho podem ser melhor esclarecidas. A intervenção nas margens ribeirinhas, entre a frente canal e a frente urbana, permitiu sem dúvida revitalizar o tecido urbano. Veja-se o bairro da Beira Mar. Também a ligação entre a zona histórica e os canais foi importante, na medida em que evitou a separação entre a zona ribeirinha e a zona histórica, mais concretamente através dos edifícios “âncora” já referenciados, o Mercado do Peixe, a Capitania, o Mercado Manuel Firmino e o Centro Cultural de Congressos.
Mas não chega somente recuperar espaços desqualificados ou criar novos. É importante que estes sejam “vigiados” e é necessário estar atento aos problemas que neles se vão gerando, tais como a degradação e a poluição. Apesar destes problemas por vezes estarem diretamente relacionados com o tempo e a intensidade do seu uso, se eles não forem tratados acabam por ser abandonados do quotidiano dos aveirenses, além de que prejudica a imagem em termos turísticos, sendo esta uma grande fonte de rendimento para a cidade, como se verificava com os espaços anteriormente já existentes e agora recuperados. No canal do Côjo esta situação começa a ser evidente.
As pessoas agora passeiam à Beira Ria, com espaços públicos que ganharam protagonismo na vivência da cidade. Aveiro ganhou em termos imagéticos, tornando-se uma cidade mais atrativa. O caráter social que se tinha perdido no tempo foi novamente “agarrado”, e hoje Aveiro pode ser descrita como a cidade dos canais na qual as pessoas são uma das grandes prioridades. A cidade é o cenário onde a vida acontece, e a oportunidade de “fazer cidade” que o Polis proporcionou a Aveiro fez com que a cidade se transformasse num palco, em que os seus canais por entre os cheios e vazios do edificado desenham a mesma, perpetuando desta forma a sua imagem e história.
* Arquitecto. Câmara Municipal de Aveiro
segunda-feira, 17 de junho de 2013
7.3 - Da urbanização sem urbanismo ao urbanismo sem urbanização
por Margarida Pereira e Luis Grave *
Em Portugal, o desenvolvimento urbano das últimas décadas apoiou-se numa intensa expansão urbana, menorizando as intervenções nas áreas consolidadas. O modelo foi sustentado por um conjunto diversificado de factores. A administração estimulou o processo através de uma forte infraestruturação do território e da qualificação do solo urbano em áreas de expansão sobredimensionadas e sem programação; do lado dos promotores, a aposta estava na produção intensiva de área urbanizada e de fogos, tirando partido da facilidade de acesso ao crédito e do dinheiro barato oferecido pela banca, aos investidores e às famílias. Os novos tecidos urbanos foram surgindo pela iniciativa dos detentores da propriedade, balizada por objectivos, estratégias, recursos e calendários próprios, a partir de orientações generalistas de macrozonamento e de índices urbanísticos, definidas a escalas inapropriadas para a boa gestão da cidade. O resultado, que se prolongou de forma persistente perante a aceitação generalizada do modelo, foi um crescimento urbano extensivo, fragmentado, desarticulado e desqualificado, desligado das dinâmicas demográficas e económicas, com multiplicação de infraestruturas subutilizadas e custos de gestão para o erário público desconhecidos. Foi o ciclo da urbanização sem urbanismo.
Este ciclo imobiliário de antecipação da oferta à procura influenciou a crise económico-financeira que despoletou em 2008 e não mais deixou de se agravar. A conjuntura recessiva, ao conjugar a retracção do investimento público e do rendimento das famílias com as dificuldades de acesso ao crédito, alterou radicalmente o contexto e enfatizou a insustentabilidade do modelo instalado, por redução drástica da procura. A lógica do crescimento colapsou, mas no território permanecem graves problemas sem solução equacionada: solos infraestruturados sem construção (ou construção incipiente); edifícios com obra suspensa, fogos concluídos sem procura. A par, há um universo (desconhecido) de compromissos ainda não formalizados (alvará emitido) mas com ónus pesados à banca (hipotecas, em função da edificabilidade potencial da propriedade dada pelo zonamento e índices do plano municipal vigente), que constituem pressões latentes mas indefinidas. A conjugação destas situações representa um problema complexo cujos contornos estão insuficientemente assimilados pelas entidades que gerem o território: primeiro o crescimento urbano com deficiente dotação de serviços coletivos, depois o esforço de investimento público para suprir a dotação daqueles serviços e, agora, os custos associados à subutilização e degradação das infraestruturas e serviços estruturados e dimensionados para uma realidade que não veio a acontecer e cujas consequências no sistema financeiro e na sustentabilidade ambiental e económica das cidades ainda não são conhecidas. Este cenário incerto coloca algumas certezas: o planeamento positivista, conceptualmente orientado para ordenar áreas urbanas em crescimento sem prévia avaliação de sustentabilidade económica, não tem capacidade para responder ao contexto estrutural recessivo; uma dinâmica de não crescimento e de desinvestimento exige outras estratégias, objectivos, métodos para planear o urbano; o modelo de gestão urbanística vigente não tem capacidade para responder às novas situações.
A comunicação, tendo como caso empírico um dos eixos de grande pressão urbana da área metropolitana de Lisboa, estruturado pela A12 na sequência da abertura da Ponte Vasco da Gama (Alcochete, Montijo, Palmela, Setúbal) pretende responder a três objectivos: discutir os contornos e dimensão da desarticulação das áreas urbanas em expansão; demonstrar que a gestão urbanística tem de abandonar a gestão de processos e evoluir para uma gestão do território mais preventiva e negociada; equacionar o potencial e limitação dos instrumentos de programação da execução urbanística até agora subestimados na prática operativa, apresentando novos contributos para minimizar os efeitos nefastos das práticas antecedentes e passar a uma gestão sustentável dos espaços urbanos. Pretende-se que seja o início do ciclo do urbanismo sem urbanização.
* E-Geo, Centro de Estudos de Geografia e Planeamento Regional, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa
Em Portugal, o desenvolvimento urbano das últimas décadas apoiou-se numa intensa expansão urbana, menorizando as intervenções nas áreas consolidadas. O modelo foi sustentado por um conjunto diversificado de factores. A administração estimulou o processo através de uma forte infraestruturação do território e da qualificação do solo urbano em áreas de expansão sobredimensionadas e sem programação; do lado dos promotores, a aposta estava na produção intensiva de área urbanizada e de fogos, tirando partido da facilidade de acesso ao crédito e do dinheiro barato oferecido pela banca, aos investidores e às famílias. Os novos tecidos urbanos foram surgindo pela iniciativa dos detentores da propriedade, balizada por objectivos, estratégias, recursos e calendários próprios, a partir de orientações generalistas de macrozonamento e de índices urbanísticos, definidas a escalas inapropriadas para a boa gestão da cidade. O resultado, que se prolongou de forma persistente perante a aceitação generalizada do modelo, foi um crescimento urbano extensivo, fragmentado, desarticulado e desqualificado, desligado das dinâmicas demográficas e económicas, com multiplicação de infraestruturas subutilizadas e custos de gestão para o erário público desconhecidos. Foi o ciclo da urbanização sem urbanismo.
Este ciclo imobiliário de antecipação da oferta à procura influenciou a crise económico-financeira que despoletou em 2008 e não mais deixou de se agravar. A conjuntura recessiva, ao conjugar a retracção do investimento público e do rendimento das famílias com as dificuldades de acesso ao crédito, alterou radicalmente o contexto e enfatizou a insustentabilidade do modelo instalado, por redução drástica da procura. A lógica do crescimento colapsou, mas no território permanecem graves problemas sem solução equacionada: solos infraestruturados sem construção (ou construção incipiente); edifícios com obra suspensa, fogos concluídos sem procura. A par, há um universo (desconhecido) de compromissos ainda não formalizados (alvará emitido) mas com ónus pesados à banca (hipotecas, em função da edificabilidade potencial da propriedade dada pelo zonamento e índices do plano municipal vigente), que constituem pressões latentes mas indefinidas. A conjugação destas situações representa um problema complexo cujos contornos estão insuficientemente assimilados pelas entidades que gerem o território: primeiro o crescimento urbano com deficiente dotação de serviços coletivos, depois o esforço de investimento público para suprir a dotação daqueles serviços e, agora, os custos associados à subutilização e degradação das infraestruturas e serviços estruturados e dimensionados para uma realidade que não veio a acontecer e cujas consequências no sistema financeiro e na sustentabilidade ambiental e económica das cidades ainda não são conhecidas. Este cenário incerto coloca algumas certezas: o planeamento positivista, conceptualmente orientado para ordenar áreas urbanas em crescimento sem prévia avaliação de sustentabilidade económica, não tem capacidade para responder ao contexto estrutural recessivo; uma dinâmica de não crescimento e de desinvestimento exige outras estratégias, objectivos, métodos para planear o urbano; o modelo de gestão urbanística vigente não tem capacidade para responder às novas situações.
A comunicação, tendo como caso empírico um dos eixos de grande pressão urbana da área metropolitana de Lisboa, estruturado pela A12 na sequência da abertura da Ponte Vasco da Gama (Alcochete, Montijo, Palmela, Setúbal) pretende responder a três objectivos: discutir os contornos e dimensão da desarticulação das áreas urbanas em expansão; demonstrar que a gestão urbanística tem de abandonar a gestão de processos e evoluir para uma gestão do território mais preventiva e negociada; equacionar o potencial e limitação dos instrumentos de programação da execução urbanística até agora subestimados na prática operativa, apresentando novos contributos para minimizar os efeitos nefastos das práticas antecedentes e passar a uma gestão sustentável dos espaços urbanos. Pretende-se que seja o início do ciclo do urbanismo sem urbanização.
* E-Geo, Centro de Estudos de Geografia e Planeamento Regional, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa
7.4 - A delimitação das áreas urbanas na revisão dos PDM's. O caso de Castro Daire
por Ana Catarina Matias e Rui Florentino
A generalidade dos Planos Regionais de Ordenamento do Território (PROT’s) requer a prévia delimitação das áreas urbanas, como uma importante base de partida para a determinação da realidade construída, visando a abordagem crítica no âmbito da revisão dos Planos Directores Municipais (PDM’s). Esse enquadramento assume a aposta na contenção dos perímetros urbanos e na reabilitação das áreas já edificadas, em detrimento de nova urbanização.
Na literatura urbanística, a delimitação das áreas urbanas tem sido associada à necessidade de configuração de “unidades funcionais”, onde as relações económicas e sociais, articuladas com um bom desempenho de serviços públicos, infraestruturas e equipamentos, se encontram estabilizadas. Todavia, nalguns casos, as áreas urbanas não são autossuficientes, relacionando-se antes num sistema de complementaridades, a nível municipal e regional. Neste artigo apresenta-se a metodologia utilizada para a delimitação das áreas urbanas do concelho de Castro Daire, considerando a proposta do PROT e o guia de orientação da revisão dos PDM’s, da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento da Região Centro (2012).
Nos trabalhos anteriores sobre este tema, com recurso a métodos digitais, as diferenças surgem sobretudo na dimensão dos “buffers” e das opções tomadas quanto à relevância dos sistemas de infraestruturas e espaços vazios. Neste caso, as normas descritas nesse guia definem não apenas os limiares de densidade a considerar para as áreas edificadas consolidadas e dispersas, como também a distância de referência dos próprios aglomerados. A delimitação das áreas urbanas, desenvolvida igualmente segundo as normas específicas de base territorial estabelecidas pelo PROT Centro, é feita por meio digital, aferida através da interpretação de cartografia e ortofotomapas e por reconhecimento presencial sobre o território.
A primeira identificação das áreas urbanas consiste na agregação de polígonos de edifícios e na relação de distâncias entre eles, através da aplicação de “buffers” de afastamentos variáveis, em ambiente de sistema de informação geográfica. Para além dos polígonos, esta configuração considera também referências espaciais para as vias contíguas e de atravessamento. Os contornos finais são depois aferidos pela estrutura do povoamento, pelos limites cadastrais e pela fisionomia territorial. Posteriormente, a par da delimitação destas unidades, o método permite a determinação dos atributos de densidade e dimensão, que decorrem essencialmente das características intrínsecas a cada conjunto (área, perímetro e número de edifícios).
Pela análise do povoamento presente no município de Castro Daire, optou-se por introduzir paralelamente duas métricas, a fim de definir limiares de agregação, que embora com diferentes distâncias entre os elementos básicos da análise (os polígonos cartográficos identificados como construções fixas e respectivos anexos), apresentam uma semelhante identidade morfológica. Numa primeira fase, quantificam-se assim as áreas edificadas, para estudar as suas densidades relativas e em sequência verificar se a metodologia utilizada é adequada para uma posterior classificação e qualificação funcional do solo, de acordo o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial e os Decretos Regulamentares 9 e 11 de 2009.
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