quarta-feira, 20 de agosto de 2014

11.4 - O mito da especialização das cidades

por Ricardo Hausmann *

Embora algumas ideias sejam intuitivas e óbvias, podem também ser erradas e perigosas. Como é normalmente o caso, não é o que não se sabe, mas o que erradamente se pensa saber, que nos prejudica. E a ideia de que as cidades e os países acabam por se especializar, é uma dessas ideias muito erradas e perigosas.
Ora, as cidades são os sítios onde se reúnem as pessoas que se especializam em diferentes áreas, permitindo às indústrias combinar os seus conhecimentos. As cidades ricas caracterizam-se por um conjunto de competências mais diversificado, que suporta um conjunto de competências mais diversificado e complexo de indústrias - e fornece desse modo mais oportunidades de emprego a diferentes especialistas.
A escala à qual a especialização dos indivíduos leva à diversificação é a cidade. Entre cidades com populações similares - digamos, Salvador e Curitiba no Brasil, ou Guadalajara e Monterrey no México - as cidades mais diversificadas são mais ricas. Tendem a crescer mais depressa e a tornar-se ainda mais diversificadas, não apenas porque possuem um maior mercado interno, mas também porque são mais diversificadas em termos do que podem vender a outras cidades e países.
É por isso que a ideia de que as cidades, estados, ou países se deveriam especializar nas suas áreas actuais de vantagem comparativa é tão perigosa. Focar-se nas actividades limitadas em que se destacam actualmente apenas reduziria a variedade das capacidades que possuem. O desafio não consiste em escolher alguns vencedores entre as indústrias existentes, mas antes em facilitar a emergência de mais vencedores por alargamento do ecossistema de negócios e capacitar o seu apoio a novas actividades.
Isso é ainda mais importante hoje, porque a globalização das cadeias de valor está a deslocalizar as relações fornecedor-cliente. As cidades e os países fazem mal em focar-se em alguns agrupamentos (clusters) e consolidar as cadeias de valor nas suas localizações, como se recomenda frequentemente. Em vez disso, deveriam preocupar-se em ser um "nodo" em muitas diferentes cadeias de valor, o que implica encontrar outras indústrias que possam usar as suas capacidades, se estas fossem expandidas e ajustadas a novas necessidades.


* Professor de Economia da Universidade de Harvard e Director do Centro para o Desenvolvimento Internacional.
Excerto do artigo publicado no Expresso de 11-01-2014. www.project-syndicate.org
Fotografia do editor, do cartaz de uma área de expansão urbana em Amsterdão.


Sem comentários:

Enviar um comentário