terça-feira, 24 de dezembro de 2024

134 - Indicadores de controlo da forma urbana - sua aplicação nos Instrumentos de Gestão Territorial


Os indicadores urbanísticos foram desde sempre utilizados em planeamento regional e urbano, para descrever e racionalizar a ocupação dos solos, a organização e o desenho da cidade. Disso são exemplo os planos de urbanização da cidade industrial do séc. XIX, com o dimensionamento dos espaços de circulação, na Barcelona de Cerdà (1867), ou as “garden cities”, inspiradas na visão territorial de Howard (1898), com a célebre quantificação da população máxima das “new towns” (32 mil habitantes).

Também em muitas cidades portuguesas, sobretudo ao longo do último século, os planos foram ganhando parâmetros claros para o desenho urbano das áreas de expansão, um pouco por todo o país. A partir da década de 90 do séc. XX, com a introdução de legislação específica para planos de escala municipal, publicaram-se uma série de normas visando o controlo administrativo dos processos de gestão urbanística e de edificação (Costa Lobo et al, 1990). Desde então, os Planos Directores Municipais (PDM's) são um instrumento obrigatório e quotidiano da gestão autárquica corrente, incorporando parâmetros urbanísticos para sua aplicação em todo o território concelhio e, por vezes com maior detalhe, nos aglomerados urbanos.

No entanto, os indicadores habitualmente usados em Portugal na elaboração destes Planos têm permanecido muito centrados na forma urbana e nos processos de transformação de uso do solo. Reconhece-se actualmente que uma abordagem convencional, focalizada em métricas sectoriais (através de indicadores económicos, sociais ou ambientais) teve sequência em abordagens algo mais integradas, holísticas e interdisciplinares, em função das problemáticas emergentes, como por exemplo a sustentabilidade, a saúde ou a qualidade de vida. Surgiu assim a necessidade de maior investigação sobre o tema, para integrar diferentes perspectivas, a qualidade do ambiente urbano (Partidário, 2000), o desenvolvimento sustentável, a avaliação da execução dos planos e a monitorização da evolução territorial.

O conceito de indicador não é uniforme na sua utilização por parte de diferentes áreas científicas. No âmbito do urbanismo, ele deve permitir uma interpretação qualitativa, que possibilite fazer juízos de valor relativos ou absolutos, sobre processos que são por natureza multi-dimensionais, não deixando de assegurar a sua operacionalização para efeitos de controlo das transformações territoriais. Por outro lado, perante uma maior participação pública em processos de governança de escala supra-municipal (Florentino, 2011), os indicadores deverão proporcionar legibilidade e compreensão a vários níveis técnicos e políticos.

Já na terceira década deste século, com o desenvolvimento das novas tecnologias de informação e comunicação, extensíveis ao conceito de “Smart Cities”, parece oportuno manter-se a atenção sobre os indicadores que permitem a leitura de parâmetros urbanos e territoriais, tendo em vista a eficiência da gestão municipal e o aperfeiçoamento da elaboração dos Planos, em formatos mais inteligentes, digitais e de crescente complexidade. Este artigo visa sistematizar o conhecimento da aplicação de indicadores nos Instrumentos de Gestão Territorial em Portugal.

Como propósito genérico, pretende-se contribuir para a melhoria das capacidades de planeamento e gestão dos municípios, preparando-os para um novo ciclo de desenvolvimento, em face de novos contextos de mudança: desafios ambientais, económicos e administrativos, ligados à reabilitação urbana e da paisagem, à sustentabilidade económica e à crescente disponibilidade de informação geográfica e novas tecnologias de forte potencial em visualização, simulação e interacção com os diferentes actores. De forma mais concreta, o trabalho tem o objetivo de estabelecer uma relação entre os indicadores de controlo da forma urbana e as diferentes características e problemáticas territoriais dos municípios portugueses.

Considerando que os PDM’s se irão manter como principais instrumentos de gestão urbanística e territorial, poder-se-á assim entender na generalidade dos casos, antecipadamente, a avaliação da adequação dos indicadores às questões emergentes e ao desenvolvimento de novas referências métricas e de formulação. Nos PDM’s de primeira e segunda geração é comum verificarem-se propostas de continuidade tipológica, por exemplo em territórios de baixa densidade permitia-se unicamente a habitação unifamiliar, em área urbana histórica aplicava-se um índice de construção líquido e numa área de expansão urbana exigia-se um parâmetro de cedência para equipamentos e espaços verdes.

Este tipo de regulamentação simples e directa revelou-se, com o tempo, não ser a mais adequada ao ordenamento do território, à necessidade de maior flexibilidade nas execução dos planos e à diversidade da forma urbana. Importa assim confirmar a eficácia dos indicadores habitualmente utilizados no controlo urbanístico, propondo em sequência, de modo fundamentado, as alterações que neste domínio poderão contribuir para melhorar a gestão do território.


* Resumo da comunicação apresentada na 11ª Conferência da Rede Lusófona de Morfologia Urbana (PNUM), que decorreu em setembro de 2023, em Sintra.


133 - The Shared City. Housing and Tourism in the metropolitan areas of Lisbon and Porto *

 


The recent transformation of both Lisbon and Porto city centres has been subject of significant social debate mostly between 2010 and 20 – the decade of higher touristic pressure (Tenreiro, J.P., 2021). Porto is often addressed for his urban evolution and socioeconomic shift, as well as the Lisbon downtown, focused in several recent literature on the subject (Fernandes, J.A.R. et al., 2019). Nonetheless, the transformations beyond central areas remain unaddressed and need to be considered in the mark of sustainable development.

Before the covid 19 health crisis, there was a huge transformation of the two Portuguese major cities, causing conflicts that affected the urban environment, their social and economic activities, housing, citizens, and neighbourhoods. The international tourism came as an economic key element for their metropolitan governance and, possibly, it will be even more relevant in the coming years. This research will balance the Lisbon and Porto case studies, in order to study and propose shared places for housing and tourism beyond the central areas, contributing to preserve urban identities and improve their sustainable development and governance.

In the present decade, the return of tourism attracted for cultural heritage has challenged again the metropolitan areas. And also previous research has shown that there is some negative perceptions of residents, concerning tourism and urban landscape (Freitas, I.; Sousa, C.; Ramazanova, M., 2021). Therefore, it is important to be prepared and manage integrated urban changes, by national, regional, and local housing policies, for a more sustainable development, either in Lisbon or in Porto.

The need of balance to solve these kinds of problems is connected to the idea of shared cities and places, appropriate for both local inhabitants and tourists. This emerging concept in the field of urban planning matches the contemporary way of business, referred as shared economy. A larger scale approach may improve the quality of public realm, as the new technologies applications, which share the access of goods and services, extending his benefits to wider territories and communities.

This paper emerges from the embryo research project “MetroPoLis”, funded by CIAUD, with a combined methodology of quantitative data and foresight studies, an important tool to understand what will come, as the increase of specialized sectors and clearly impacts on housing, either for landowners or tenants. In the context of the sustainable development goal for cities and communities (SDG nº 11), it is possible that a shared economy will contribute to reduce conflicts and extend their positive effects to a metropolitan area. This goal is connected to the Portuguese competitiveness strategy, especially in what concerns the exploration of the cultural heritage, and link also to the regional development strategies: the domain of symbolic capital, technologies and tourism services in the North, and the intention to reinforce the Lisbon brand, at a larger regional scale.


* Resumo do artigo apresentado no 5º Congresso de Habitação no Espaço Lusófono, dia 3 de outubro de 2024 no Laboratório Nacional de Engenharia Civil, em Lisboa.


132 - Álvaro Siza and the contemporary university values of university architecture *

 


The exceptionality of university buildings has been seldom addressed by the 20th Century World Heritage, in contrast with the plan and architecture of Brasilia by Lúcio Costa and Óscar Niemeyer, or the serial nominations of selected works of Le Corbusier, Frank Lloyd Wright and Josef Plecnik. Nevertheless, the program and typology of university campus were particularly developed after the World War II, expressing a cultural symbol of the educational standards evolution, through the last century (Edwards, 2000; Calvo Sotelo, 2009).

This paper aims to discuss the possible differential values of the Porto School of Architecture (FAUP), building upon previous research about other four university centres and environments, built in the same period and cultural framework, in the Iberian Peninsula region. For this purpose, qualitative approach has been applied, through the study of architectural designs and their interrelation with the campus, the urban landscape, with similar program and scale. The scope of the analysis was the 2nd criterion of the operational guidelines for the implementation of the World Heritage Convention, exhibiting a significant exchange of human values, over a period or within a cultural area, on developments in Architecture, Urbanism or Landscape.

The project for FAUP started around four decades ago and reflects an original example of Álvaro Siza design thinking methodology. Years later, he built the Santiago de Compostela School of Communication, and several university buildings, such as the Library of Aveiro, the Rectorate of Alicante or the Pedagogical School of Setúbal, among others. Most of the Portuguese and Spanish well-known Architects were influenced by him and have works in the main cities and university campuses of these two countries.

To fulfil that purpose, architectural works have been analysed in the university campus of Coimbra, Guimarães, Vigo and Madrid, by Gonçalo Byrne, Fernando Távora, Alfonso Penela and Alberto Campo Baeza, respectively. The analysis focused on the values of urban integration, the program distribution and the construction, respecting the classical Vitruvian triad. As it occurs with FAUP, the other exemplars are placed in urban development areas, with an irregular environment, and somehow an eccentric relation with city centres (Angelillo, 1998; Penela, 2004; Fernandes, 2013; Campo Baeza, 2021).

The analysis carried out confirms that these works are relevant contemporary heritage of university architecture, either at local, regional or international level. However, they do not assertively demonstrate the same remarkable values as the Campus of Siza. Indeed, several critical readings have already confirmed the exceptional recognition of FAUP’s cultural significance, a built manifesto of a contemporary design culture, which has taken root and constitutes a milestone worldwide (DGPC, 2022), according to the report of the General Directorate of Cultural Heritage, which classifies this masterpiece as a National Monument.

The urban design for a new aesthetic symbol in the landscape of the river Douro, as well as the genius of the author to guide the user between the buildings and exterior areas of the old Quinta da Póvoa, all completed and maintained by his hand, confer indisputable differential values, integrity, authenticity, and a unique architectural and landscape character. Nonetheless, more recently, the project for a new metro bridge nearby raised questions about aesthetic and environmental impacts. The competition was wined by architect José Carlos Nunes Oliveira, who gained experience precisely by working at Álvaro Siza’s office.

Alvaro Siza and Eduardo Souto Moura were invited to work on the urban (re)design, when the metro line faces the limits of the University property. In fact, the intervention by the author contributes directly to reduce the risk of disfiguring its cultural significance. In this sense, it is expected that FAUP will maintain his unique character and value, as a complete masterpiece that builds by itself a university campus.

The study concludes by discussing what shall be the limits of acceptable change in such properties and their intricate relationship with the urban landscape. Lastly, in terms of the contemporary heritage governance, some Portuguese cultural institutions, as Casa da Arquitectura, already promote the cultural tourism of Álvaro Siza architecture, mainly his earlier works in the municipality of Matosinhos, the well-known Tea House and Marés Pool. Complementary, the Porto City Council started to implement strategies that may decentralize the urban economy beyond the historical areas (CMP, 2024).

Finally, the FAUP building as a lively place, whose educational environment is surrounded by other research units, has also already demonstrated competences to design and maintain their own heritage management plan (Ferreira & Fernandes Rocha, 2017). All the interventions in Campo Alegre by Álvaro Siza are a lesson of architecture and present a challenge for future readings regarding the contemporary university campus.


* Artigo redigido em co-autoria com o Doutor Bruno Andrade (REMIT-UPT) e a Prof.ª Goreti Sousa (CIAUD-UPT), apresentado na conferência final do projeto FCT SizaAtlas: Filling the gaps for World Heritage, dia 12 de setembro de 2024 na FAUP. Este projeto foi coordenado pelas Professoras Soraya Genin (ISCTE), Mariana Correia (UPT) e Teresa Ferreira (FAUP).


131 - A Cidade Partilhada *

 


Num dos mapas do cais da linha amarela da estação da Trindade, em direção ao Hospital de São João, encontrava-se um desenho à mão indicando o desejo de ligação com a ferrovia de Leixões. Em boa hora, a CP está a retomar o serviço de passageiros nesta via única, prevendo-se que no início do próximo ano seja já possível ir novamente de comboio entre Campanhã e Matosinhos. O aumento da oferta e da partilha, na arquitetura da intermodalidade, pode ser uma alternativa para certos movimentos pendulares e talvez sirva à descentralização do turismo, a exemplo do que acontece nas linhas de Sintra e Cascais.

A mobilidade é um dos elementos essenciais da política urbana, tal como a conectividade entre os espaços verdes e as linhas de água e a gestão dos usos, no património edificado. São aliás as dimensões decisivas para a integração das estratégias a apresentar nos planos territoriais, cuja aplicação poderá garantir a qualidade do ambiente urbano. Mas em particular nas nossas áreas metropolitanas, a problemática da habitação tem-se agravado em resultado da pressão exercida pela procura turística. Com efeito, este sector representa quase 15 % do PIB, sendo responsável por cerca de metade da sua taxa de crescimento.

Os últimos censos de 2021 revelaram essa transformação urbana. Ao desagregar os indicadores à escala da freguesia, no caso do Porto, somente cresce o número de habitantes para lá da VCI, em Aldoar, Paranhos e Ramalde. O município tem feito a gestão de coexistência, não permitindo novos registos de alojamento local nas freguesias centrais, quando atingem 15 % do número das habitações permanentes. Em complemento, delineou o objetivo de descentralização dos fluxos turísticos, medida a articular com os operadores, para desenvolver a atratividade e diversidade do património periférico.

A cidade partilhada entre habitantes e turistas apresenta números mais expressivos em Lisboa. As freguesias da Baixa perderam mais de 20 % dos seus residentes nos últimos dez anos, quase 650 por ano entre 2011 e 2021. Mas a perda ocorre igualmente fora do centro, é também maior que 5 % nas freguesias residenciais da 2ª Circular, Ajuda, Benfica, Carnide, Marvila e Olivais, por certo devido ao crescimento dos alojamentos turísticos, com efeitos no mercado imobiliário. O aumento do número de habitantes está curiosamente nas Avenidas Novas, assinalando talvez a internacionalização da procura, com preços em alta.

Ao seu lado, na freguesia de Arroios concentra-se a imigração que serve esta economia urbana e merece igualmente atenção. A dicotomia entre estas densidades, de turismo e serviços, é bem visível, tal como desde há alguns anos noutras capitais ocidentais. A Câmara de Lisboa promove agora a oferta de projeto e licença em solo público, visando a formação de novas cooperativas, em bairros centrais e periféricos, para enfrentar a perda de população e a procura de habitação a preços controlados. A gestão da cidade partilhada assume, nestes casos, uma clara dimensão metropolitana, através da necessidade de políticas concertadas entre as diversas autarquias, de acordo com a geografia de cada região.

Nesse âmbito encontra-se o direito à mobilidade urbana, que se mede não só em distância, mas sobretudo em tempo. E nesta perspetiva de cidade partilhada, de habitantes, turistas e serviços, terá de ser gerida de forma sustentável. A Lei de Bases do Clima e a recente aprovação europeia da Lei do Restauro da Natureza, a par deste novo conceito, convocam à alteração da cultura de ordenamento do território. Para tal, devemos melhorar e atualizar a formação dos responsáveis pelo planeamento e desenho urbano.


* artigo publicado no jornal on-line Observador: https://observador.pt/opiniao/a-cidade-partilhada/