domingo, 3 de abril de 2022

120 - Tradições e práticas urbanísticas luso-brasileiras (1750-1930) *

 

As tradições urbanas podem ser um conceito clássico principal na pesquisa de planejamento, levantado com a famosa revisão de Françoise Choay das abordagens progressivas e culturais das teorias urbanas. Depois de meio século, certamente podemos entender as utopias ou realidades francesas e britânicas, e também muitos outros modelos diferentes de tradições urbanas, em todo o mundo.

No contexto português, estas análises da tradição urbanística portuguesa foram apresentadas pelos Professores José Manuel Fernandes, Manuel Costa Lobo e Manuel Teixeira, entre outros. Estes e outros trabalhos há muito refutaram a oposição convencional entre o urbanismo hispânico « regular » e o traçado português « irregular » e carente de planeamento.

Todavia, o conceito de uma « tradição urbanística portuguesa » tem sido predominantemente circunscrito ao estreito universo das fronteiras políticas do império colonial português, que se cinde do Brasil em 1822. Tampouco se sói incluir no âmbito dessa tradição a urbanização portuguesa da era industrial, cujo início coincide com o encerramento das últimas escolas de engenheiros no ultramar, durante a segunda metade do século XIX.

À revelia deste conceito restritivo de uma tradição urbanística portuguesa limitada, na sua máxima expressão, ao império colonial indo-atlântico da Era Moderna, e em processo de desagregação, até meados do Oitocentos, esta mesa temática reúne contribuições que exploram as margens cronológicas, geográficas e profissionais deste recorte. Para tanto, abarcamos o período que vai da era pombalina (c. 1750) até o dealbar dos Estados Novos português e brasileiro (c. 1930), os quais marcam uma inflexão ideológica no discurso sobre a cidade tradicional.

Embora o circuito profissional da urbanização luso-brasileira esteja em grande medida atrelado à rede de formação dos engenheiros militares, encontramos agentes paraestatais, como os jesuítas, e pontos de contacto com influências exógenas, como a urbanização da União Ibérica e os quilombos afro-brasileiros, que fertilizam esta rede com ideias que desmentem o imaginário de uma tradição unívoca. A circulação continuada de saberes urbanísticos entre Portugal e o Brasil após 1822 se explica por esse universo ampliado de redes culturais.

Do mesmo modo, embora a urbanização de finais do século XIX esteja inserida no contexto mais amplo da « cidade burguesa » global, a produção informal do ambiente construído até os dias de hoje pode evidenciar a persistência de elementos ditos « tradicionais ». Os últimos esforços de organização do território português em África, já no século XX, evidenciam complexas articulações entre o cenário mais amplo do neocolonialismo europeu e as ideologias e métodos particulares ao império português.

Os trabalhos que compõem esta mesa situam estudos aprofundados de agentes e processos específicos dentro do fluxo da longa duração e da amplitude geográfica dos problemas levantados por esta proposta. Reconhecem, por fim, que as atuais teorias da morfologia urbana e os movimentos neo-tradicionalistas deram nova vida — e novas polêmicas — ao conceito de « tradição urbanística » luso-brasileira enquanto proposta operativa, com afinidade a problemas de bem-estar social e sustentabilidade ambiental.


* Texto de Pedro Paulo Palazzo (Universidade de Brasília) e Rui Florentino, para uma mesa temática do 3º Congresso da Associação Iberoamericana de História Urbana, que se realizará em novembro de 2022 na Universidade Complutense de Madrid.


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