sábado, 7 de novembro de 2020

115 - O urbanismo à volta de Alcântara-Terra


Alcântara, que em árabe significa ponte, é um lugar especial na paisagem urbana de Lisboa. O vale marca um limite no seu desenvolvimento para Ocidente, dando-lhe esse nome de transição à beira rio, de onde se viriam a abrir novas ligações, ao longo do Tejo até Belém e, mais tarde, em direção ao Parque de Monsanto, o pulmão que dá vida à cidade.

As infraestruturas que com o passar do tempo foram chegando a Alcântara afirmaram esse carácter de grande nó de circulação ferroviária e rodoviária, onde as atividades portuária e industrial tinham igualmente relevo. O aqueduto e a ponte 25 de Abril apresentam um cenário quebrado pela divisão entre a Alcântara de Terra e a Alcântara do Mar.

O desafio urbanístico deste Projeto resultou por isso muito aliciante e complexo, requerendo várias escalas de aproximação, que não podem deixar de estar presentes na boa formação de Arquitectos e Urbanistas. A metodologia seguida no desenvolvimento dos trabalhos partiu da descoberta deste contexto, para depois esboçar linhas de atuação num território mais abrangente, que necessita de evidenciar com maior clareza as relações espaciais e formais entre as suas diferentes partes. Com efeito, as intervenções tinham por objetivo, entre outros, lograr uma maior coerência na imagem da cidade, em benefício da sua identidade e vivência coletiva.

As propostas apresentadas refletem esta ambição, não se vislumbram certezas ou projetos ideais, nem isso se procurava, mas gera-se a compreensão integrada da realidade urbana, que a reforma da estação de Alcântara está também condicionada pela revisão do conjunto urbano envolvente e que este, por sua vez, deve enfrentar sem receios as mudanças de paradigma no urbanismo atual. A mobilidade, o equilíbrio entre espaços públicos e privados, a mistura de usos, a reabilitação e o desenho urbano a favor de uma nova acessibilidade.

Os projetos vão pois no sentido de melhorar a funcionalidade em redor da estação, de recuperar a escala humana nos quarteirões residenciais e de criar novos espaços com potencial de agregação de atividades culturais e de comércio e serviços. Alcântara-Terra pode assumir-se assim enquanto centro de revitalização urbana, âncora para os projetos de renovação necessários à sua volta, não só em termos de mobilidade e espaço público, mas também de investimento privado, como aliás já está a acontecer.

O desejo é que esta reflexão não fique por aqui, mas sirva igualmente como nosso contributo, que deve ser partilhado com a cidade, os decisores e todos os que vivem e passam por Alcântara, para melhorar ainda este lugar de encontro.


sexta-feira, 3 de julho de 2020

114 - Vernacular Architecture and Traditional Urbanism in the World Heritage Cultural Landscape Property of Pico, Azores *



The World Heritage Committee lists every year, several cultural sites as World Heritage properties. Some of these properties balance the notion of a landscape that bears combined works between nature and men, on which vernacular architecture is part of a local tradition of interaction with nature. The 3dPast research project is a European project, coordinated by Escola Superior Gallaecia and co-funded by the European Union, under the Creative Europe programme. The project studies and values vernacular knowledge of these unique places. In Portugal, the Pico landscape was listed as a World Heritage property due to the 500 years of history of local inhabitants adapting farming practices to produce wine, in a challenge environment and in a remote place in the middle of the Atlantic. This article aims to study, the history and the development of the island's architecture and urbanism, based on an ancestral way of life that is still alive nowadays. The scarcity of natural resources and the difficulties to travel between villages and islands emphasised the effects of insularity. However, the continuity of local culture, passed down through generations, created a strong identity, which is source of pride. The cultural landscape classified area includes about 987 hectares, from the parish of Criação Velha, on the south coast, to Santa Luzia, on the north side, covering part of two municipalities of Pico. The article first presents a brief historical background of the island. Following, it focuses on the evolution of human occupation, through the reading of population indicators and traditional architecture and urbanism, recognizing the unique cultural and landscape values ​​within the property. Finally, it discusses the current regulatory framework on territorial planning, and the architectural and urban regulations in planning framework, with particular emphasis on processes and practices at different scales.


* Resumo do artigo que será publicado no Livro da Conferência Internacional Heritage 2020, Setembro, Universidade Politécnica de Valencia, por Rui Florentino, Mariana Correia, Goreti Sousa e Gilberto Carlos. Foto do editor deste blog, do Museu do Vinho, na Madalena, Arqt.º Paulo Gouveia (1999).


sábado, 16 de maio de 2020

113 - O desconfinamento


Conseguido o controlo da pandemia Covid 19, em que a população portuguesa demonstrou mais uma vez grande coesão e solidariedade, estamos a entrar no período de desconfinamento, que vai coincidir com o início de um novo mandato para os órgãos sociais da Ordem dos Arquitectos. Após décadas em que a organização da Instituição esteve confiada a menos de uma centena de colegas de Lisboa e do Porto, teremos pela primeira vez representantes para secções regionais em todo o país, no continente e nas ilhas. Depois da revisão do Estatuto em 2015, enquadrado pela lei das associações públicas profissionais de 2013, o mandato que agora termina fica marcado pela implementação do desconfinamento da OA.
A 20 de dezembro de 2019 foi finalmente publicado o Regulamento de Organização e Funcionamento das Estruturas Regionais e Locais da OA, requerido no Estatuto. Quando somos mais de 20 mil Arquitectos a trabalhar por todo o país, era imperativo concretizar esta reforma. Mas apesar da oposição das duas secções regionais, agora reconfiguradas, o mandato do Conselho Directivo Nacional neste triénio foi caracterizado por várias outras acções que provam a mudança realizada na OA, que agregou novos colegas e se abriu finalmente à diversidade do exercício profissional.
Iniciou-se a implementação da Política Nacional de Arquitectura e Paisagem, que viu algumas das suas medidas serem incorporadas no Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território, aprovado pela Assembleia da República em 2019. No ano anterior, a união de muitos no movimento Arquitectura por Arquitectos evitou a prorrogação do período de transição para outros profissionais assinarem projectos, reduzidos a uma lista nominal com várias restrições e objecto de possível controlo público. A promoção da Arquitectura deixou igualmente de pertencer só ao grupo reduzido das revistas, tendo sido premiado internacionalmente o trabalho de 3 Arquitectos portugueses injustamente menos reconhecidos, em 2017 e 2019.
Estivemos mais de uma centena de vezes numa rádio de larga audiência, com o programa Exercício de Arquitectura, dando voz a muitos colegas que nunca haviam participado em acções da Ordem e recuperámos o Jornal Arquitectos para a sua edição impressa. Os 3 Colégios da OA fizeram diversas acções públicas e viram aumentar significativamente o seu número de membros, dando passos importantes para a afirmação de especialidades diferentes na prática da profissão - o planeamento, a reabilitação do património e a gestão e fiscalização de obras. Realizou-se o Congresso que teve o maior número de participantes de sempre e conseguiu-se o melhor resultado financeiro alguma vez obtido pela OA, ambos em 2018.
Com outras organizações profissionais celebrámos a Declaração do Território, que teve a primeira consequência no recente contributo ao Governo para o desenvolvimento do país e a retoma da economia. Nos próximos dias conheceremos o vencedor do concurso para a ampliação da sede, num espaço urbano gerador de grandes oportunidades, onde a anterior direcção preferia um estacionamento. Dezenas de acções que partilhei sobretudo com o Vice-Presidente da OA, Daniel Fortuna do Couto.
A organização mudou finalmente, com esta nova estrutura territorial criámos as condições para estarmos mais presentes na profissão e na sociedade e obviamente também no território. A comunicação da OA precisa igualmente de uma reforma e isso poderá ser agora conseguido, sem os vícios instalados. Mas a grande participação nas próximas eleições é já por si uma vitória e sinal de esperança, teremos sete novas secções regionais com órgãos eleitos por todos os que quiserem votar e isso elevará a qualidade da decisão, sem receio da democracia.
A Ordem representa os que a respeitam, compete-lhe regular a profissão e o seu exercício de forma a garantir a qualidade do serviço público que presta à comunidade. Para o triénio que agora se vai iniciar, preparámos uma equipa que mistura a melhor continuidade com a renovação que se impõe, liderada pelo Daniel Fortuna do Couto, que pela sua competência demonstrou capacidade para ser Presidente da OA. Contamos com muitos que apoiaram e aguardavam esta mudança na organização e estaremos presentes para todos, no território, na sociedade e na profissão.


sexta-feira, 20 de março de 2020

112 - Towards a Healthy Urbanism



There’s nowadays a common knowledge that the increasing of urban land have caused huge constrains to the population health. Although, the identified good practices in urban planning and design show us that some models can be implemented in order to improve the citizens and communities health. In this sense, the relation between urbanism and public health is a growing area of research, in both empirical and theoretical fields.

In the European context, the examples capable to produce more healthy urban environments have been recognized in the last decades by institutions like the International Network for Traditional Building, Architecture and Urbanism, the Phillipe Rotthier pour l’Architecture or the Prince’s Foundation for the Building Community, among others. Some of their concerns and practices towards a healthy urbanism are shared by several local communities and also the World Health Organization inserts those remarks in his international guide lines.

Besides the most well-known urban regeneration in Plessis Robinson, near Paris, and the new city of Dorchester, in the United Kingdom, this article presents other projects that deserve equal recognition, some of them remarkable for their contribution in very difficult scenarios. These are the examples of the temporary villages for refugees in Greece, by Richard Economakis, and the intervention in Kabul’s old city, creating jobs and pride, by Scott Liddle and the NGO Turquoise Mountain.



quarta-feira, 18 de março de 2020

111 - O ordenamento do território e o aeroporto do Montijo *


O reactivado Conselho Superior de Obras Públicas analisou recentemente o Programa Nacional de Investimentos 2030, considerando o próximo quadro comunitário, com uma especial ênfase no transporte ferroviário e visando a sua integração nas redes ibérica e europeia. É uma aposta essencial para a competitividade da economia portuguesa, relevando a posição geoestratégica do país, da qual depende igualmente o sector portuário.
De igual modo, desde que se iniciou o debate sobre a necessidade de ampliar a capacidade do aeroporto de Lisboa, afirma-se nesse mesmo sentido que é um projecto de âmbito nacional, não só da capital ou da sua área metropolitana. Décadas passaram e pese embora as obras realizadas entretanto nos dois terminais, mantém-se a urgência de construir uma nova infraestrutura, na margem esquerda ou direita do Tejo. Foi dito que a localização era indiferente, importante era o modelo aeroportuário. Mas a organização das actividades é indispensável para a qualidade de vida e o desenvolvimento sustentável.
Ora, o Plano Regional de Ordenamento do Território da Área Metropolitana de Lisboa, enquanto instrumento de gestão territorial que está ainda em vigor, desde 2002, definiu a sua localização na Ota. Contudo, tal não impediu que alguns anos depois se tenha considerado o Campo de Tiro de Alcochete como melhor alternativa, ao beneficiar da acessibilidade proporcionada então pela Terceira Travessia do Tejo, recorrendo-se a um estudo comparativo, que utilizou a metodologia de Avaliação Ambiental Estratégica.
Ao mesmo tempo, apareceu ainda uma terceira solução, designada como Portela+1, elaborada pelo centro de estudos da Faculdade de Economia e Gestão da Universidade Católica do Porto, hipótese naquele momento não prevista, por se entender que um novo aeroporto levaria a uma progressiva desactivação do Humberto Delgado. As circunstâncias alteraram-se rapidamente e este é o modelo agora proposto.
O contexto actual aponta para uma maior limitação de recursos ambientais e financeiros, para além da concessão da empresa de exploração e da infraestrutura aeroportuária construída em Beja. O governo e a ANA acordaram desenvolver este conceito Portela+1 através da ampliação da base aérea do Montijo, que recebeu o parecer positivo da Agência Portuguesa do Ambiente, condicionado à mitigação de uma série de impactes negativos.
Se por um lado podemos reconhecer a importância do projecto para o desenvolvimento do país, sublinhando o seu alcance nacional e a necessária integração na estratégia de investimentos do Portugal 2030, em linha com a salvaguarda de sustentabilidade ambiental e socioeconómica que deve nortear a gestão pública, por outro deverá reforçar-se a exigência de se acautelarem todos os riscos relacionados com a segurança das populações afectadas, pela fiscalização de execução do contrato de concessão e das medidas de mitigação ambiental.
Em simultâneo, devem iniciar-se de imediato os procedimentos para o novo Programa Regional da Área Metropolitana, que enquadre devidamente a infraestrutura na gestão do território e da mobilidade, no quadro da Lei de Bases da política pública de solos, ordenamento e urbanismo. Finalmente, destaca-se também a necessária exigência de qualidade arquitectónica para todo o conjunto de novos edifícios e espaços públicos e privados, considerando os valores patrimoniais e paisagísticos em presença no lugar de intervenção.

* publicado no "Observador" a 21 de fevereiro de 2020.