por Luís Cabral **
Nos últimos anos, e em particular nas últimas semanas, muito
se tem falado sobre o “desaparecimento” do interior. Em 2016, o Governo criou o
PNCT [Programa Nacional para a Coesão Territorial] com o objectivo de
contrariar “a tendência de desertificação dos últimos anos”. Em Maio, o
Movimento pelo Interior (MPI) publicou o seu relatório final, com diagnóstico e
soluções semelhantes.
Indo directamente à ideia central deste artigo: o
diagnóstico do Governo e do MPI está equivocado; e as soluções propostas são, no
melhor dos casos, ineficazes.
O MPI recorda que “entre 1960 e 2016 a população residente
no litoral aumentou em 52,08%, enquanto no interior diminuiu em 37,48%”; e
acrescenta que “não há país que se possa desenvolver na base de tão gritantes
desigualdades”. A premissa é incontestável: contra factos não há argumentos;
mas a ideia de que não há país que se possa desenvolver com base na
concentração populacional não só é conceptualmente vazia como repetidamente
falsificada pela evidência empírica.
Bem sei que a questão ‘litoral vs. interior’ não é o mesmo
que desenvolvimento urbano versus desenvolvimento rural. No entanto, lendo o
relatório do MPI, vejo que as preocupações com o crescimento do litoral
correspondem em grande parte aos custos do desenvolvimento urbano. Para essas
pessoas e para os que temem a concentração populacional, aconselho a leitura de
Glaezer, Romer, Krugman e outros autores sobre o fenómeno da urbanização: não
só não é um perigo para a humanidade como é, em grande medida, a solução para o
problema do desenvolvimento económico e social.
Para os que se preocupam — com razão — com os problemas
ambientais, acrescento também que a melhor forma de proteger o planeta é
concentrar a população: as emissões de CO2, o consumo de energia, a poluição
per capita, etc. são muito menores nos grandes agregados urbanos do que nas pequenas
cidades e na província.
Para um economista, a intervenção governamental —
nomeadamente a discriminação favorável a certas regiões — resulta de uma
reconhecida falha de mercado. Uma possível falha de mercado é a informação
incompleta. “O congestionamento do litoral”, lê-se no relatório do MPI, terá
como consequência a “deterioração da qualidade de vida da população aí
residente”. Uma forma de ler este diagnóstico é: as pessoas não sabem o que é
bom para elas, pelo que o Governo ‘iluminado’ deve dar-lhes incentivos para se
mudarem para o interior, o que é melhor para elas, mesmo que elas não o saibam.
Uma segunda falha de mercado corresponde ao que os
economistas chamam externalidades: quanto o sr. X se muda do interior para o
litoral, ele ignora tanto os custos que impõe às outras pessoas no interior
(perdem um dos poucos vizinhos que ainda têm) como os custos que impõe às
outras pessoas no litoral (mais um a congestionar uma região já cheia de
gente). Este argumento tem duas respostas. Primeiro, não nos podemos esquecer
dos enormes benefícios que cada pessoa traz para o aglomerado urbano. Isto não
é apenas um argumento teórico: estudo após estudo confirma que as sinergias da
aglomeração urbana são enormes.
Segundo, se de facto existem custos de congestionamento,
então a melhor forma de os corrigir é criar impostos — chamados impostos de
Pigou — que contrariem cirurgicamente esse custo. Por exemplo, se um habitante
adicional em Lisboa cria custos de congestionamento automóvel, então que se
crie um preço de trânsito na cidade (ou nas partes da cidade mais relevantes
pare este efeito).
Em resumo, a ideia de favorecer o interior, na forma
proposta tanto pelo Governo como pelo MPI, carece de racionalidade económica.
A atitude dos interioristas é particularmente equivocada no
que respeita ao ensino superior. Em Maio, o Governo confirmou a intenção de
cortar as vagas nas universidades de Lisboa e do Porto, uma tentativa de enviar
mais alunos para as universidades do interior. Isto é um erro enorme. Os
alunos, o ensino superior, o país têm mais a perder do que a ganhar com este tipo
de políticas “iluminadas”.
Peço desculpa se tudo isto parece muito negativo. Não tenho
dúvidas de que as propostas de coesão territorial do Governo e do MPI são muito
bem intencionadas (escrevo isto sem ironia). A sociedade do século XXI sofre de
uma série de “estruturas de desigualdade” que têm de ser enfrentadas pelas
políticas públicas; mas é importante ser claro sobre o que “desigualdade”
significa. Em sentido estrito, a concentração populacional é uma forma de
desigualdade: a densidade no ponto A é superior à densidade no ponto B. No
entanto, falar de “graves desigualdades em termos de ocupação territorial”
(MPI) cria mais confusão do que clareza no debate sobre o problema da justiça
social. Pôr este tipo de “desigualdade” no mesmo pé que as desigualdades mais
prementes (rendimento, riqueza, educação) é um erro conceptual perigoso.
* Artigo publicado no suplemento Economia do jornal Expresso do dia 21 de Julho de 2018.
** Professor na Universidade de Nova Iorque e na AESE.