domingo, 31 de dezembro de 2023

129 - Agora Futuro


2023 foi ano de regresso e futuro. Regressar à política, voltar à associação de planos urbanísticos e projectos de investigação. E de concretizar objectivos. Por vezes as circunstâncias repetem-se, mas nunca da mesma forma, há sempre outra hipótese, para fazer diferente e continuar a errar.

2024 será novamente uma incerteza. De entre ela, tirar o melhor, mais amigos, múltiplos trabalhos, na procura da imperfeição. No fundo, percorrer de novo o território, a arquitectura, a paisagem e o património, o mesmo onde sempre voltamos e aquele que queremos conhecer, com descobertas inesperadas. Agora Futuro.


domingo, 3 de dezembro de 2023

128 - O aeroporto é uma decisão política *

Em anteriores artigos de opinião neste espaço, defendi a necessidade básica de se considerar o ordenamento do território na localização para o novo aeroporto da região de Lisboa (em 2020, quando o Montijo fora escolhido na perspetiva de Portela + 1), tendo, depois, tomado posição por uma solução na margem Norte do Tejo, onde se evidencia maior aglomeração económica e populacional, potenciando o desenvolvimento do país com menores custos em infraestruturas e mobilidade (em 2022). Hoje escrevo para sublinhar que devido às atuais circunstâncias, ainda que sustentada num modelo de Avaliação Ambiental Estratégica (AAE), trata-se de uma decisão eminentemente política.

No presente contexto, o processo segue de forma muito alinhada com o cumprimento rigoroso da metodologia de AAE e seu faseamento. Esta semana termina o período de discussão pública do Relatório de Fatores Críticos para a Decisão (FCD) da Comissão Técnica Independente (CTI), isto é, simplificando, quais os critérios e indicadores que permitem a análise comparativa, para se obter a melhor recomendação técnica final.

Há cerca de 15 anos, quando se aplicou a AAE à escolha entre a Ota e Alcochete, também pela mesma coordenação da atual CTI, nessa altura limitada às duas opções, definiram-se então 7 FCD: Riscos e sustentabilidade dos recursos naturais, Segurança, eficiência e capacidade das operações de tráfego aéreo, Competitividade e desenvolvimento económico e social, Avaliação financeira, Ordenamento do território, Conservação da natureza e biodiversidade e Sistemas de transportes terrestes e acessibilidades. Em síntese, os primeiros quatro acima citados foram mais favoráveis à localização na margem Sul do Tejo (Alcochete), ao contrário dos últimos três, mais positivos na Ota.

Naquele momento, causou estranheza que os FCD teriam peso equivalente e, nessa medida, reduzindo a avaliação a uma aritmética, aqueles últimos favoráveis à margem Norte do Tejo foram mais leves na balança, não se querendo assumir um empate técnico e o consequente fracasso do processo. Contudo, manteve-se também igual ponderação para os 5 FCD, assim definidos agora: i) Segurança Aeronáutica, ii) Acessibilidade e Território, iii) Saúde Humana e Viabilidade Ambiental, iv) Conectividade e Desenvolvimento Económico e v) Investimento Público e Modelo de Financiamento.

Mas outra coincidência surgiu agora, alterando de novo as circunstâncias: o envolvimento da iniciativa privada. Em 2008 foi a CIP, associação empresarial, que colocou em cima da mesa Alcochete, em alternativa à Ota, sendo nesta ocasião um consórcio em que participa o Grupo Barraqueiro, já com experiência na gestão da TAP e enquanto principal operador privado do sistema de transportes da área metropolitana, propondo Santarém com investimento próprio.

Afigura-se então necessário perguntar como compara o FCD de investimento público, se tem o mesmo peso que os outros 4. Para além das consequências urbanísticas e territoriais inerentes, à partida diferentes, quando o investimento de base é maioritariamente privado.

Este facto é de grande relevância no contexto de uma avaliação eminentemente técnica, por novamente colocar em perspetiva algo que é “diferente por natureza”, ou seja, a proveniência do investimento complementar necessário para esta decisão pública. Saibamos, pois, entender que as soluções capazes de obter melhores resultados a longo prazo serão aquelas para onde convergem os sentidos da avaliação técnica e da opção política, porque elas exigem um esforço adicional de compromisso para a implementação dos projetos e evitam a desresponsabilização dos agentes e decisores.


* Artigo publicado no jornal on-line Observador: https://observador.pt/opiniao/o-aeroporto-e-uma-decisao-politica/

Desenho do Arqt.º Daniel Fortuna do Couto


terça-feira, 25 de abril de 2023

127 - Urbanismo + Habitação *


Após a recente aprovação em Conselho de Ministros dos diplomas sobre os apoios aos créditos bancários e às rendas habitacionais, terminou na semana passada o período de consulta pública relativo às restantes medidas apresentadas do pacote + Habitação, que exigem a aprovação da Assembleia da República. Contudo, o suporte parlamentar ao governo faz com que as propostas formuladas fiquem somente dependentes da decisão de promulgação ou não do Presidente da República.

Este artigo cinge-se à única medida que pareceu consensual entre os partidos políticos, relativa à anunciada simplificação dos procedimentos administrativos de licenciamento das operações urbanísticas, prevendo a alteração e o aditamento de alguns artigos aos Regimes Jurídicos dos Instrumentos de Gestão Territorial e da Urbanização e Edificação. A principal mudança para o sector do urbanismo e da construção, e para as Câmaras Municipais, refere-se ao licenciamento dos projetos de arquitetura e das especialidades de engenharia, que poderiam assumir todos eles a forma de comunicação prévia, “o que determina o deferimento liminar do procedimento”, com base nos Termos de Responsabilidade dos projetistas, legalmente exigidos.

Quanto às especialidades de engenharia, a dispensa de apreciação municipal já ocorre hoje com frequência, mas no que diz respeito à aprovação dos projetos de arquitetura estaremos perante uma grande alteração de paradigma, ficando assim o ónus de cumprimento das exigências legais aplicáveis definitivamente do lado dos arquitetos, autores e coordenadores, que assinam nesse sentido os respetivos Termos de Responsabilidade. O controlo da legalidade passará então para um momento posterior de fiscalização de obra, sabendo-se a diversidade de situações entre os municípios portugueses, muitos deles com uma grande dimensão territorial, mas sem os meios humanos associados para satisfazer tal missão.

Em consonância com esta proposta de simplificação administrativa do licenciamento, há muito reclamada pelos agentes do sector, o governo quer estabelecer um regime de responsabilidade solidária entre os projetistas e as entidades executantes, que serão proprietários, promotores e empresas de construção. Embora falte saber o modo de concretização, bem como as sanções a aplicar por eventuais incumprimentos legais, consideramos de saudar a audácia em procurar a reforma de um procedimento que nas últimas décadas penalizou a oferta de habitação, com os custos económicos e sociais que são conhecidos.

No entanto, para que esta medida possa obter os resultados pretendidos, importará acautelar dois aspetos fundamentais. Os projetistas sabem que temos atualmente mais de 2 mil diplomas técnicos sobre urbanismo e construção, que variam consoante os diferentes usos dos edifícios, pelo que em simultâneo a esta medida de simplificação é preciso refundar toda essa legislação em dois códigos operativos. De igual modo, embora exista um sistema legal único para todo o país, os regulamentos da administração local hoje em vigor fazem com que, quanto normas e modos de submissão de projetos, há o mesmo número de procedimentos a respeitar do que de municípios portugueses. Ora, também aqui se exige uma uniformização processual, pelo menos à escala de coordenação e desenvolvimento regional.

Estamos sem dúvida num momento de inegável urgência, mas só uma reforma mais abrangente, incluindo o Urbanismo, permitirá que esta lei cartaz seja bem aplicada. É desejável que o debate parlamentar produza esse efeito.


* publicado no "Observador" a 24-03-2023, em: https://observador.pt/opiniao/urbanismo-habitacao/

sábado, 25 de fevereiro de 2023

126 - A sustentabilidade da OA: recomendação para a qualidade da organização *

A Ordem dos Arquitectos identificou o desenvolvimento sustentável como paradigma para o futuro”, é a primeira frase, na página de internet deste Congresso. Ora, esse desígnio, como todos o sabemos, é há muito enfrentado pelos Arquitectos, passaram pelo menos três décadas de aplicação dessa palavra-chave na profissão, conceito que perdeu aliás algum significado, perante a resiliência e capacidade de adaptação que estamos a demonstrar. Não é portanto um tema novo, até para a própria Ordem, que beneficiou de apoios de sustentabilidade para a reabilitação do edifício no Porto.

Conseguido o desenvolvimento da nossa presença por todo o território, concretizado o Estatuto, devido ao trabalho realizado no anterior mandato, é pois o momento da Ordem dar o exemplo, começando pela própria casa. A recomendação, que aqui apresento, é que a nossa organização seja sustentável, em todas as dimensões. Se queremos esse futuro, deveremos representar as melhores práticas, agora que estamos presentes diariamente em todas as regiões.

Começo pela dimensão económica, que é a mais fácil: creio que se esfumou já na consciência de todos a ideia de que a criação das secções regionais seria a ruína financeira da organização. Urge sim realizar as obras de reabilitação da sede em Lisboa, cujo estado é vergonhoso. Há projecto, após o concurso que se realizou com sucesso há 3 anos, a receita das quotas sobra, haja sobretudo vontade e não se perca mais tempo, proceda-se à empreitada, respeitando o património.

Na dimensão ambiental, a Ordem tem de valorizar o conhecimento técnico especializado dos Arquitectos, liderando nos procedimentos normativos sobre o edificado, a reabilitação e as políticas de ordenamento do território. Para além da comunicação para fora no espaço público, perante a administração e os outros profissionais, há que reduzir consumos e implementar processos de economia circular, em actividades e materiais, na logística e gestão interna.

Mas a sustentabilidade de Ordem não será completa se não procurar igualmente a sustentabilidade dos seus quase 30 mil membros, na diversidade das condições de vida e de trabalho dos Arquitectos, incluindo também os que foram e já deixaram de ser. Beneficiei do seguro de saúde e não há razões para o negar a todos os colegas, outras associações profissionais o garantem, pelo que o reforço dos apoios sociais será mais um desafio para o próximo mandato.

A Ordem deve demonstrar que é capaz de fazer para si, na sua casa e nas suas acções, o desenvolvimento sustentável que aborda neste Congresso, porque a verdadeira mudança importa sim. Recomenda-se pois a melhoria da qualidade da organização.


* Comunicação apresentada no 16º Congresso dos Arquitectos, Ponta Delgada, 3 de março de 2023.