A Lei de Bases Gerais da Política Pública de Solos, de
Ordenamento do Território e de Urbanismo, aprovada pela Assembleia da República
em 1998 e revista em 2014, tem por fins “salvaguardar e valorizar a identidade do
território nacional, promovendo a integração das suas diversidades e da
qualidade de vida das populações” e “promover a defesa, a fruição e a
valorização do património natural, cultural e paisagístico”, entre outros. Com
base neste diploma, a Assembleia da República aprovou em 2007 o Programa
Nacional da Política de Ordenamento do Território, enquanto instrumento de
referência, que enquadra todos os planos regionais e municipais e a Política
Nacional de Arquitectura e Paisagem (PNAP), expressa na Resolução de Conselho
de Ministros nº 45/2015, de 7 de julho.
Associada à qualificação profissional dos arquitectos
portugueses, deu-se uma progressiva qualificação do território humanizado, que
é hoje um inegável factor de competitividade do país, presente tanto nas cidades
como no património cultural dos espaços urbanos e rurais de menor densidade.
Essa procura é evidenciada pela recuperação da sustentabilidade da nossa economia,
do turismo e da reabilitação, assentes não apenas em medidas de protecção, que
souberam preservar a identidade dos lugares, mas também na qualidade de uma
arquitectura reconhecida internacionalmente, que promoveu a imagem de Portugal
no exterior, relevando o desenvolvimento social e a modernidade do país.
É verdade que para o sucesso alcançado muito contribuiu igualmente
a qualidade das nossas universidades, que são consideradas entre as melhores,
procuradas cada vez mais por jovens de diferentes zonas do mundo. Exportamos excelentes
serviços profissionais, reconhecidos em quase todas as áreas, e as boas
práticas da arquitectura são valorizadas pela nossa sociedade, conforme
destacou o Senhor Presidente da República, na tomada de posse dos órgãos
sociais da Ordem dos Arquitectos.
Este contexto não impede, contudo, que outros profissionais
tenham a ambição de nos fazer regressar a 1973, quando um diploma permitia que
não arquitectos pudessem assinar alguns projectos de arquitectura. Ora, após
décadas de luta e depois da Assembleia da República ter aprovado a Lei nº
31/2009, por um amplo consenso parlamentar, revogando o 73/73, poderá votar-se este
mês uma proposta que constitui um retrocesso nestas dinâmicas positivas de
qualificação do país, de imprevisíveis consequências.
Vários profissionais puderam qualificar-se e completar a
formação em arquitectura, durante o período alargado de transição, e havendo
trabalho crescente na área da reabilitação urbana é caso para perguntar por que
razão querem alguns engenheiros voltar a assinar projectos de arquitectura. Com
efeito, a Directiva 2005/36/CE é apenas aplicável ao cidadão “… de um Estado
membro que pretenda exercer uma profissão regulamentada num Estado membro
diferente daquele em que adquiriu as suas qualificações profissionais”.
Ao contrário do que se presume, não há aqui direitos para
serem repostos. A proposta tem uma clara dimensão política, porque se trata do
país que queremos para o futuro. E muitas questões jurídicas se colocam, dado
que o Estado confia o desempenho e a regulação das profissões de interesse
público a Ordens profissionais, que se regem também por diplomas legais. Levar
esta proposta à Assembleia da República é assim negar a evolução e o esforço de
qualificação dos portugueses, ao longo de décadas, e negar ainda que temos a
liberdade e a autonomia de querer o melhor para o nosso território.
A sociedade reconhece na arquitectura portuguesa um factor
de diferenciação e crescimento económico do país, que é atractor de
desenvolvimento e internacionalização da economia e não deve ser prejudicada em
favor de um grupo de profissionais. Os arquitectos não agem por sentido corporativo,
mas no interesse de todos os cidadãos que participam na qualificação do
território, incluindo os que se formaram e estão hoje habilitados para realizar
os actos próprios da sua profissão.
Artigo de Rui Florentino, publicado no suplemento on-line do Público, P3 em 11 de Julho de 2007:
http://p3.publico.pt/cultura/arquitectura/24057/os-arquitectos-e-qualificac-o-do-pais
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