As tradições urbanas podem ser um conceito clássico
principal na pesquisa de planejamento, levantado com a famosa revisão de
Françoise Choay das abordagens progressivas e culturais das teorias urbanas. Depois de meio século, certamente podemos entender as
utopias ou realidades francesas e britânicas, e também muitos outros modelos
diferentes de tradições urbanas, em todo o mundo.No contexto português, estas análises da tradição
urbanística portuguesa foram apresentadas pelos Professores José Manuel
Fernandes, Manuel Costa Lobo e Manuel Teixeira, entre outros. Estes e outros trabalhos há muito refutaram a oposição
convencional entre o urbanismo hispânico « regular » e o traçado
português « irregular » e carente de planeamento.
Todavia, o conceito de uma « tradição urbanística
portuguesa » tem sido predominantemente circunscrito ao estreito universo
das fronteiras políticas do império colonial português, que se cinde do Brasil
em 1822. Tampouco se sói incluir no âmbito dessa tradição a
urbanização portuguesa da era industrial, cujo início coincide com o
encerramento das últimas escolas de engenheiros no ultramar, durante a segunda
metade do século XIX.
À revelia deste conceito restritivo de uma tradição
urbanística portuguesa limitada, na sua máxima expressão, ao império colonial
indo-atlântico da Era Moderna, e em processo de desagregação, até meados do
Oitocentos, esta mesa temática reúne contribuições que exploram as margens
cronológicas, geográficas e profissionais deste recorte. Para tanto, abarcamos
o período que vai da era pombalina (c. 1750) até o dealbar dos Estados
Novos português e brasileiro (c. 1930), os quais marcam uma inflexão
ideológica no discurso sobre a cidade tradicional.
Embora o circuito profissional da urbanização
luso-brasileira esteja em grande medida atrelado à rede de formação dos
engenheiros militares, encontramos agentes paraestatais, como os jesuítas, e
pontos de contacto com influências exógenas, como a urbanização da União
Ibérica e os quilombos afro-brasileiros, que fertilizam esta rede com ideias
que desmentem o imaginário de uma tradição unívoca. A circulação continuada de
saberes urbanísticos entre Portugal e o Brasil após 1822 se explica por esse
universo ampliado de redes culturais.
Do mesmo modo, embora a urbanização de finais do
século XIX esteja inserida no
contexto mais amplo da « cidade burguesa » global, a produção
informal do ambiente construído até os dias de hoje pode evidenciar a
persistência de elementos ditos « tradicionais ». Os últimos esforços
de organização do território português em África, já no século XX, evidenciam complexas articulações
entre o cenário mais amplo do neocolonialismo europeu e as ideologias e métodos
particulares ao império português.
Os trabalhos que compõem esta mesa situam estudos
aprofundados de agentes e processos específicos dentro do fluxo da longa
duração e da amplitude geográfica dos problemas levantados por esta proposta.
Reconhecem, por fim, que as atuais teorias da morfologia urbana e os movimentos neo-tradicionalistas deram nova vida — e novas polêmicas — ao conceito de
« tradição urbanística » luso-brasileira enquanto proposta operativa,
com afinidade a problemas de bem-estar social e sustentabilidade ambiental.
* Texto de Pedro Paulo Palazzo (Universidade de Brasília) e Rui Florentino, para uma mesa temática do 3º Congresso da Associação Iberoamericana de História Urbana, que se realizará em novembro de 2022 na Universidade Complutense de Madrid.
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