domingo, 14 de outubro de 2018

103 - O Território como Património Cultural *


Tem vindo a crescer a escala de atenção para o património que queremos proteger e valorizar, de monumentos para centros históricos e destes para as paisagens culturais. Temos em Portugal 15 bens inscritos como Património Mundial, encontrando-se a maior parte deles classificados na categoria de Paisagem Cultural, alguns com evidente dimensão territorial, como são os casos do Alto Douro Vinhateiro, dos Sítios de Foz Côa, da Paisagem de Sintra, da Vinha da Ilha do Pico e da Floresta Laurissilva na Madeira.
A intervenção humana vai portanto muito além dos espaços urbanos e aconteceu sempre numa perspectiva cultural, de qualificação do território. O reconhecimento que damos a estes lugares deve servir de exemplo para o território que preservamos e reconstruímos, imbuído de valores históricos, sociais e estéticos. Como Arquitectos, respeitamos esse legado e somos hoje muitas vezes responsáveis pela sua conservação.
É portanto grande a nossa responsabilidade para manter as diversas identidades do território. No espaço urbano, respondemos a esse importante desafio, conscientes das dificuldades e dos erros que se cometeram nalguns casos, das pressões dos agentes e das memórias que deixámos cair, mesmo apesar dos Planos de Salvaguarda e da crescente participação activa dos cidadãos, em linha com uma sociedade plural e democrática.
À escala territorial, há igualmente um sentido de património, na sua expressão ambiental, social e económica. Fizeram-se Reservas nacionais Agrícolas e Ecológicas, mapearam-se as Estruturas regionais de Proteção e Valorização Ambiental e delimitaram-se os Espaços Naturais municipais, em diferentes instrumentos de carácter regulamentar. E todos sabemos que também aqui nem sempre se tomaram as melhores decisões. Entretanto o país dispõe já de melhores tecnologias de informação geográfica, com autarquias mais conscientes para a importância do património, pelo que urge actualizar a normativa obsoleta dos planos e fomentar tanto a reabilitação urbana como a da paisagem.
O desenvolvimento do território, que passa pela preservação da sua identidade, através de uma economia activa, não dispensa o desenho do Arquitecto, a todas as escalas, e por isso devemos valorizar as nossas tradições regionais e a cultura de construção que caracteriza a arquitectura do Norte, do Interior, do Litoral e do Algarve. O reconhecimento internacional é ainda sinal disso, com a atribuição do Prémio Ibérico Rafael Manzano 2017 e do Leão de Ouro da Bienal de Veneza deste ano, a José Baganha e Souto Moura, respectivamente, em ambos os casos pela integração das suas obras na magnífica paisagem do Alentejo.
A par do renovado interesse do ensino e da investigação sobre esta matéria, importa criar uma rede de ofícios de construção tradicional, que permita manter vivo esse conhecimento entre as gerações. Em boa hora se designou como tema do 15º Congresso “O Património Arquitectónico e Paisagístico”, para que possamos debater a nossa intervenção no contexto amplo do respeito para com o legado histórico de um território que todos os dias precisamos de ajudar a construir, enquanto património cultural.


* artigo publicado no caderno do Conselho Directivo Nacional da OA no Jornal Arquitectos nº 257.

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